EDITORIAL – POR QUE OS PERUEIROS ESCOLARES DE IBIÚNA ‘DEVEM’ SOFRER?

perueiros

“A autoridade só existe, se faz sofrer”. Esta é frase é atribuída ao escritor russo Fyodor Dostoievski (1821-1881) e seu significado é relevante do ponto de vista das relações de poder na sociedade humana em todos os tempos e é sempre uma oportuna lembrança para a reflexão dos leitores mais despertos.

Num encontro realizado no dia 30 de janeiro, um sábado, no auditório do Centro Olímpico [a única mídia presente era vitrine online] com mais de cem perueiros escolares de Ibiúna, o prefeito Fábio Bello parecia estar numa festa fraternal, todo contente, sorrisos, simpático com a plateia.  Esse é um dos seus traços comportamentais característicos, quando precisa tomar uma decisão para evitar um problema previsível.

Simples: usando o tempo sempre a seu favor, deixa saturar a ansiedade das pessoas, a expectativa e as dificuldades financeiras reais para, numa raquetada maquiavélica, anunciar a grande solução. “Sim, até o dia xis vou pagar vocês.” E recebe aplausos gloriosos, como aconteceu naquele dia.

Não é para menos. Sem receber desde novembro, sem dinheiro até mesmo para as festas de fim de ano, sentindo-se inseguros, que é o que acontece quando as pessoas estão sem grana [e, portanto, emocionalmente mais frágeis], eis que surge o poderoso “salvador” e o realizador de uma “epifania”. “Eu, enfim, trago-vos a solução.” Esse é um jogo carismático calculado e funciona com aqueles que se encontram desvalidos em determinado momento.

Na ocasião, ele acenou a dificuldade com a falta de recursos, da crise que atinge todo o País e isto foi prontamente aceito pela plateia, especialmente quando foi definido o dia do pagamento, na primeira quinzena de fevereiro.

Vários perueiros fizeram perguntas [se criou um clima de diálogo democrático] e uma delas foi exatamente se haveria demissões. E Bello foi categórico. “Não, como poderá haver demissão, o contrato com a cooperativa está em vigor e será mantido até o final.” Com essa resposta sossegou o pito de muitos profissionais preocupados sobrevivência dos seus familiares.

Pois bem. Na terça-feira (5), durante a sessão da Câmara Municipal, o terreno ao lado do Legislativo estava repleto de peruas escolares e a plateia lotada de perueiros com cartazes mencionando o nome do prefeito e reivindicando o pagamento em atraso, mais uma vez, agora relativo ao mês de fevereiro. No andamento da carruagem, o líder do prefeito anunciou que o chefe do Executivo irá efetuar o pagamento no dia 12 de abril. O vozerio dentro da Câmara era intenso e esse fato ocupou a maior parte da sessão. Em seguida, todos se retiraram para levar e buscar as crianças nas escolas da rede municipal.

Mas, o clima de insegurança quanto ao futuro próximo ficou estabelecido. No dia 30 de março, de acordo com o presidente da Cooperativa de Transporte de São Paulo – Cootraesp, Antonio Aparecido Cardoso, Fábio Bello abriu uma licitação [o contrato assinado com a cooperativa vigora até julho deste ano] para contratar novo fornecedor dessa modalidade de serviço que afeta a vida de mais de nove mil famílias ibiunenses.

O líder sindical apontou uma contradição na atitude do prefeito: “Por que ele fará nova licitação se isso representará um aumento de despesa da ordem de 45% e, ao mesmo tempo, em que vem alegando falta de recursos para honrar em dia os pagamentos pelos serviços que já vêm sendo prestado a contento?”

O prefeito tem seus motivos para agir como age habitualmente, mas como tem sido observado em várias de suas iniciativas em que as palavras são lançadas ao vento descompromissadas de sua etimologia, ficam ocultos dos olhares públicos, como os objetos escondidos dentro de um bunker.

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.