IVETE GATTAS – ‘A MENTIRA FAZ PARTE DO JOGO SOCIAL; ALGUNS COMETEM SINCERICÍDIO AO SEREM VERDADEIROS’

“O mentir faz parte do humano social. Para estar uma sociedade às vezes você não pode ser absolutamente verdadeiro. A mentira faz parte do jogo social. Então, se uma pessoa chega perto de você e pergunta ‘você acha que estou muito gordo?’, você não dirá ‘sim, está muito gordo’, mas ‘não, até que você está bem’. Isso é uma mentira inocente social.”

Esta é uma reflexão da psiquiatra dra. Ivete Gattas. Na última sexta-feira (18) a médica participou de entrevista no programa “Cara a Cara”, apresentado pelo jornalista Carlos Rossini na TVNG [para assistir na íntegra basta clicar TVNG na página do Facebook ou Youtube].

Ivete revelou como pano de fundo as raízes sociais e culturais da mentira, sustentando que somente com uma evolução cultural educacional da sociedade a mentira seja menos praticada nas relações interpessoais. Acompanhem o que ela diz:

“As crianças pequenas por que mentem?  Elas mentem por que têm medo de punição e têm menos recursos para elaborar explicações suficientes para que a outra pessoa não as puna. Então a criança mente, é mentira infantil, talvez inócua.”

“Os idosos, aqueles portadoras de demências, eles mentem entre aspas porque lhes falta memória. Então, eles acabam completando as memorias que lhes faltam por fabulações que a gente chamaria de mentira. O problema são aquelas pessoas que têm o mentir como atividade diária, compulsiva, e aqueles que não só mentem como vivem e acreditam na própria mentira. São os mitônomos.”

AUTOPROTEÇAO

A mentira causa efeitos às vezes muito sérios sobretudo para quem é o sujeito afetado por ela, o que acha disso?

“Nossas mentiras causam consequências muito graves em todos os níveis, socioeconômico, político, etc., mas a mentira infelizmente faz parte do ser humano.  Nós somos inteligentes. O ser inteligente prevê a reação do outro e para se proteger e tirar uma vantagem então ele mente. Muitas vezes para sobreviver socialmente ele tem de mentir.”

Pergunto sobre as mentiras dos políticos, praticadas com uma desenvoltura desavergonhada nos altos escalões do Executivo e do Legislativo, sem que se esqueça do que vem acontecendo no Poder Judiciário.

“Enquanto nós formos um povo sem cultura, nós vamos estar sujeitos ao poder que muitas vezes não é o mais honesto que existe. Então, nós temos que mudar várias estruturas, educacionais, políticas e talvez daí a gente possa ter novos representantes com comportamento mais adequado.”

“Mas eu acho que o hábito de menir não se reduz à questão política ou estatal, a gente vê muitos donos de empresa vide Joesley Batista que, para chegar aonde chegou, teve que tripudiar e provavelmente mentir muito. Então não é só no setor público que isso acontece, isso é difundido em toda a sociedade, então tem muito a ver com a cultura. E acredito que em países em que as pessoas tenham mais educação, refinamento educacional maior, sejam menos necessário mentir, as pessoas podem ser mais transparentes.”

Na área médica, onde atua, Ivete afirma que “os pacientes também mentem com medo de serem repreendidos, de tomar o pito, por não terem tomado o remédio prescrito e nem mesmo adquiri-lo também é uma questão educacional e cultural. Mentem diante do médico pelo medo de estar diante de uma autoridade. Mas nem todos os pacientes agem dessa maneira”.

“Na hora em que atingirmos um nível de educação e cultura melhor em nosso país as pessoas vão se sentir mais se apropriando de sua vida e falará “eu vou te falar que parei de tomar o remédio por isso e por isso, quero discutir isso com você. Esse comportamento as levarão a um nível de igualdade de discussão. Eu acho que assim fica mais fácil.”

SINCERICÍDIO

Pergunto: “Ninguém gosta da mentira, não é mesmo?”

“Não, tanto gosta que pratica bastante.  Mas as pessoas dizem que não gostam da mentira quando lhe mentem”, Ivete responde com bom-humor.

“Ser franco demais é sincericídio. Trata-se de suicídio social por ter sido muito sincero. Na hora que você fala coisas que são verdades, você não é bem visto. Eu também começo muito sincericídio. Isto acontece porque “o próprio conceito da mentira ocupa o papel de substituir uma realidade indigesta que é difícil de ser aceita”.

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *