A vida é tão rara

Um dia pensei que ia morrer. Há não muito tempo; na verdade bem pouco até. Cheguei perto do fundo do poço, acho até que meu dedão do pé tocou a areia, mas decidi que não queria estar ali, era muito escuro, frio, sem proteção, sem carinho e sem amor. O estranho é que por amor que cheguei àquele lugar… ou pela falta dele!

Nos dias mais escuros questionava o porquê de estar ali, e confesso nunca ter entendido tudo, mas uma parte sim! Nunca deixei de me lembrar que todos temos problemas e que o meu nem era tão grave assim, comparando com a falta de comida, de educação e o imenso número de guerras e mortes do mundo. Mas, esse era o “meu” problema, que naquele momento era imenso! O tempo, o “senhor da razão” me mostrou como é melhor viver com a luz do dia e a claridade da manhã, como vale a pena viver e descobrir a raridade da vida! E hoje, de verdade, nem quero pensar ou lembrar desse passado e sim de alguns como esses que descrevo abaixo.

Passo a passo fui atrás dos meus sonhos. É, a “Alice do país das minhas maravilhas” foi para longe, com a ajuda e incentivo da minha maior riqueza e preciosidade: minha mãe. E agora estou aqui, em Barcelona, na Espanha, com pessoas, culturas e cheiros tão diferentes.

Comecei ainda mais a identificar os cheiros, odiar alguns, amar outros. Passei a sentir muita falta, principalmente da minha casa, da minha mãe, do meu irmão Beto. Todos os dias lembro que antes de embarcar para cá ele chorou, inesperadamente. Mais uma força para que eu buscasse meus sonhos.

Encanta-me sair de manhã bem cedo, quando algumas mulheres se arrumam para o trabalho e exalam cheiro de perfume de flores ou lavandas. Passeio então pela Avenida Diagonal (a maior avenida da cidade) e vou sentindo todos os intermináveis cheiros, e de alguma maneira guardo cada um deles… os maus tento esquecer! O quarto já tem meu cheiro e do incenso e dos sabonetes que comprei. Ah, isso é bom!

Outro dia andava pela Travessera de Gracia e um senhor, catalão bem típico, fumava um cachimbo, respirei fundo… “Sítio, infância, família”, me lembrei da época em que passava fins de semana ou férias em Ibiúna, no sítio dos meus padrinhos, e meu tio Rossini fumava cachimbo com o mesmo aroma. Parei e fiquei ali por alguns segundos imaginários intermináveis, olhando para o senhor catalão. Fechei os olhos e recordei de tantas pequenas e tão importantes coisas. Da bondade da minha madrinha, da pureza do Leonardo, dos ensinamentos da Alessandra (a primeira pessoa que me segurou no colo depois dos meus pais), dos dicionários e incontáveis livros do meu tio ou das conversas e enormes

gargalhadas com o Glauco (ou Totó, como o chamava quando era criança). E tudo tão rápido. A vida passou tão rápida. Como é raro cada momento!

Todas as manhãs, tardes ou noites em um ônibus, trem ou metrô me pego olhando o horizonte lembrando de algo da minha infância, adolescência ou de algo recente. Mas o mais raro é que, seguramente, são lembranças que não teria se não estivesse aqui, tão longe de casa, tão distante das pessoas que mais amo e com tanta saudade.

Tenho muitas lembranças de Piedade, quando era bem menina meus pais e meus tios, Marlene e Flávio, compraram um sítio naquela cidade, eu, meu irmão Beto e meus três primos: João Carlos, Felipe e Gabriel brincavámos durante horas, sem parar, eu e um monte de moleque, não poderia ser diferente minha molecagem desde aquela época! Só um exemplo é o “suco” que “preparávamos” para o caseiro. Os ingredientes: água do rio, terra, plantas e algumas vezes até xixi. Só a gente mesmo pensava que ele “aceitaria” no nosso convite e beberia o “delicioso” suco! Também imitávamos os “TudherCats”. Eu era a mulher gato e tinha que correr mais que todos, mas tinha um detalhe, o Felipe corria como ninguém e era quase impossível alcançá-lo! Lembro-me também é que durante a viagem até Piedade, se não me engano durava umas três horas, íamos fazendo “paz e amor” com a mão para todos os carros que passavam. A maioria acenava um tímido “tchau” ou sorria amorosamente!

Penso que “esse” tempo ai de cima realmente não tem volta, mas está guardado com o maior carinho e as melhores lembranças. Sinto que, como esse tempo tão bom que passei, outros estão por vir! Aqui em Barcelona ou em qualquer lugar que eu esteja! Porque acredito frase de uma música “dias melhores pra sempre!”

Camila Moura Almendro é pedagoga e educadora. Escreveu essa crônica sob o céu de Barcelona, na Espanha, em março de 2007. Neste sábado, dia 3 de agosto, ela se casa com Guilherme, em São Paulo..

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.