O SILÊNCIO DOS INOCENTES E AS MAROTAGENS DOS ESPERTALHÕES

Na lida diária para cumprir meu papel de jornalista por estas terras ibiunenses tenho deparado com situações as mais diversas, olhos e ouvidos atentos ao que me dizem. Agora, por conta da pandemia, a distância e, portanto, longe do calor das insubstituíveis conversações cara a cara e sem máscaras.

Vejo e ouço pessoas com zelo de ourives ao manipular a pedra bruta de um diamante. E o que elas me dizem e revelam é um desejo de partir, um descontentamento notório com a cidade que parece ter estacionado no tempo e nem ata nem desata cronicamente.

Um conflito de estilo de vida. Jovens me dizem isso, senhoras, homens e mulheres que manifestam uma vontade de mudar, insatisfeitas com uma situação que lembra o limbo, água estagnada, tempo perdido.

Ainda agora uma jovem que há pouco transbordava de entusiasmo, na flor da idade, declara que nada há mais aqui que faça parte do seu projeto futuro, depois de formada; faltam empregos e oportunidade de trabalho; a política e a administração pública são percebidas como cronicamente incompatíveis com os anseios da população; com as coisas que se fazem, malfeitas; com os hábitos que perderam ou estão perdendo as referências de boas condutas; com a palavra empenhada e não cumprida; com os rumores, maledicências e fofocas; com a perda, enfim, da humanidade mesmo nas questões mais simples do cotidiano.

Vive-se, de certa forma, como se novamente estivéssemos construindo uma torre de babel invisível em nossas cabeças, perdidas no ciclo do tempo que flui cada vez mais acelerado. Janeiro, fevereiro, março, abril…Remédios contra depressão, hipertensão, diabetes, para dormir, para acordar (epa!). Até que ponto nessa roda vida frenética estamos despertos? As filas das megassenas acumuladas, o sonho de ganhar e sair da roda viva que se traduz por angústia diária, sofrimento com os preços dos remédios, dos alimentos e outros produtos sempre prontos para vestir as asas de Mercúrio e subir.

A escola para pagar, os remédios para comprar, o ônibus para tomar, a rotina a nos entorpecer. A loucura que negamos e disfarçamos porque ser louco é ser socialmente desprezível. É preciso fingir-se de são ou buscar nas drogas e nas bebidas a aceitação da sagrada família humana que tolera os miseráveis, por serem fracos e dominados pelo vício, pela supressão da vontade própria.

Muitos desses projetos íntimos de abandonar esta terra tão bela, talvez não se realizarão, embora sejam sintomáticos. Parece haver uma incompatibilidade afetiva entre cidadão e cidade. De parte a parte, a fala tende a ficar presa na garganta, filtrada por medos e receios difusos, como se cada um dependesse do julgamento do outro para viver. Liberdade, talvez seja esta a palavra que toca no fundo da alma dessa gente que abre seu coração para mim e vê o seu hábitat como um lugar estranho. A sociedade ibiunense precisa atentar para essas almas inquietas, pois o futuro faz parte do mesmo tecido que contém o passado e o presente.

Com o advento da pandemia a situação prossegue com as tribulações do dia a dia e um preocupante silêncio dos inocentes e as marotagens dos espertalhões que tentam se ocultar atrás de paredes de cera para que não sejam percebidos ou não serem pegos em seus atos espúrios. É desconfortável ver uma história que se repete como mania. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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