ENSAIO – O QUE IBIÚNA TEM COM A TEORIA DA TERRA PLANA?

Um ambiente político saudável, fundamentado em princípios democráticos, pressupõe algumas características marcantes: respeito aos direitos e deveres dos cidadãos, conduta ética, transparência dos atos que interferem de alguma forma na vida e nos hábitos das pessoas, competência e responsabilidade dos agentes públicos. E, por último, mas não menos importante: compromisso com a verdade.

Reflito sobre esse tópico, e o compartilho aqui para os poucos que farão uma leitura atenta [as pessoas há muito vêm deixando de ler além dos títulos das notícias, preferem e estão já escravizadas pelas informações superficiais e ilusórias] com base na minha experiência profissional como jornalista e editor de uma revista com base na cidade de Ibiúna já com mais de dez anos de história contada.

Sinto-me tentado a considerar o primeiro parágrafo desse breve ensaio como utopia. Positivamente, não é esse o cenário que normatiza a vida pública em nosso município. Ao contrário disso, temos uma realidade que contraria sistematicamente os bons princípios estabelecidos há mais de dois mil anos quando homens pensantes procuraram fundar uma sociedade em bases igualitárias, já que exatamente no tempo em que viveram havia escravidão, as mulheres eram tratadas como seres inferiores e a liberdade era para poucos.

A pergunta que se apresenta como solista de uma orquestra desafinada é: por que o mundo oficial de uma cidade como Ibiúna, como infinitas hoje no Brasil, se arrasta na mais proverbial mediocridade política desconsiderando o que há de mais importante como triunfo da humanidade: o respeito ao outro, ou mais claramente, aos direitos dos cidadãos que sustentam os agentes públicos [prefeito, secretários, vereadores] por meio dos tributos que recolhem aos cofres públicos?

De onde os governantes tiraram a ideia de que podem se fechar em redomas blindadas quando o assunto é a verdade que expõe tudo aquilo que procuram ocultar da opinião pública? E não é somente isso: se autointitulam donos da verdade [a que lhes interessa] quando os fatos da realidade dizem o contrário. Quem não se resigna aos seus comunicados, muitas vezes esdrúxulos, faz parte da maldita oposição, mais fantasiosa do que real.

Se houvesse respeito ao principio da transparência, e isso ocorre quando não há nada a esconder dos olhos da cidadania, imagina-se quanto a sociedade como um todo ganharia: a informação verdadeira sobre os investimentos em todos os setores, concorrências, licitações, as condições das obras em andamento, os serviços médico-hospitalares, a segurança pública, a educação, a assistência social, a situação real da gestão do ponto de vista das finanças públicas.

Mas, não. Te remetem para os portais que, entre outras peculiaridades, servem, mais do que tudo, para complicar e dificultar ao máximo a consulta por parte do cidadão comum. Sim, é preciso que uma pessoa seja habilitada em tecnologia da informação para conseguir um sucesso em suas pesquisas nos bancos de dados oficiais.

No entanto, se as autoridades se dignassem de responder simples perguntas que visam atender às necessidades de informação estariam contribuindo decisivamente para a moralização da imagem das instituições e dos seus agentes. Seria simples assim: “Sr. Prefeito pode me dizer que estradas serão objetos de investimentos visando sua melhoria? Qual é o custo de cada uma dessas obras? Que empresas foram contratadas para execução do serviço? Qual é a fonte de recursos e o prazo para a conclusão?” São apenas exemplos singelos de como se realizaria a tal da transparência, se houvesse, óbvio, as respostas corretas.

A não transparência dá amplo espaço para a natural especulação por meio de suspeitas, como se vê aqui em grupos sociais, de mal uso de verbas públicas. Lê-se por exemplo: “Até agora foram arrecadados tantos milhões, mas para onde têm ido esses recursos?” Como não há reação dos agentes públicos a dúvida vai se acumulando, assim como os problemas históricos que a população tem vivido ao longo do tempo.

Mas a população também tem parcela de responsabilidade com esse estado de coisas. Primeiro, acredita ou cede às influências que recebe dos candidatos. Eles dizem “é isso aí, tamo junto!”, fazem barganha, compram votos, seduzem mentes simplórias, mas quando assumem seus cargos revelam outra faceta de comportamento porque agora são autoridades e se embriagam com o poder que, não raro, elevam patrimônios individuais a níveis milionários, em alguns casos.

Tem ainda outra implicação: grande parte dos seduzidos por interesses atendidos, como emprego público, e sua parentela, acabam sendo contaminados por uma defesa ideológica fanática dos detentores de poder e se voltam, como animais condicionados, contra todos aqueles que conseguem ver os reinantes nus.

E a história se repete como se sempre tivesse que ser assim e muitos acabam comungando a mesma fé para que não haja mudança alguma e que tudo permaneça como sempre foi. E história se repete num ciclo vicioso que parece não ter fim. Mas as mudanças, quer queiram ou não, acabam ocorrendo porque a realidade acaba sendo maior do que figuras minúsculas que se acham superiores na esperteza de levar vantagem em tudo.

Houve um tempo em que hipnotizados pelo mesmo princípio utilizado pelos poderosos ao longo dos séculos muitas pessoas achavam que a terra era plana. Alguns acham até hoje. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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