HOJE, FALAR DE AMOR, GENTILEZA E AMIZADE É UMA GRANDE BOBAGEM?

Sinceramente, leitor, há quem pense exatamente assim, que os outros são insensíveis, egoístas e frios, que só pensam e agem em interesse próprio e só querem levar vantagem em tudo. Há, de fato, muitos motivos para pensar dessa forma; afinal, quem já não sofreu decepções exatamente por isso: amar, ser gentil e amigo?

Nesse contexto, se incluem e se opõem dois tipos de personagens: os materialistas, de um lado, e os idealistas, de outro.

Pensamos e agimos assim devido a um fato paradoxal: somos humanos e, ao mesmo tempo, animais. Não há como excluir uma realidade da outra. Vivemos dos entrechoques entre a razão e os sentimentos que, não raro, ocorrem fora do nosso campo consciente. Ou seja, agimos muitas vezes sem saber o que estamos fazendo, de modo automático. No dia a dia verificam-se inúmeros casos que atestam o que Freud já constatara desde o fim do século XIX: somos movidos por uma poderosa força inconsciente que influencia nosso comportamento mais do que conseguimos imaginar.

Duas pessoas muito inteligentes, em tempos diferentes, fizeram a mesma descoberta que pode nos ajudar a compreender por que existe essa contradição entre nossos sonhos e desejos e a realidade objetiva. Um deles foi Buda, há cinco mil anos, o outro, o filósofo escocês David Hume, no século XVIII.

Resumindo, de modo simples, eles disseram que a mente humana funciona como um filme cinematográfico através do encadeamento de imagens que estão isoladas entre si (cada fotograma), mas que dão a sensação de continuidade e movimento quando projetadas continuamente na tela. Trata-se, na realidade de uma ilusão, como acontece com a nossa forma de perceber os fenômenos.

Assim, somos aquilo que temos como imagem em nossa mente a cada momento. Dito de outra forma, nossa personalidade não é formada por um núcleo fixo e sim por uma sucessão de pensamentos (a maioria inconsciente). A sensação que temos de ser uma e mesma pessoa sempre nos é dada pela consciência que compõe a sucessão de imagens que ocorrem dentro de nós.

Como somente nosso corpo físico pode se encontrar cem por cento em um determinado lugar, enquanto nossa memória flutua entre o passado e o futuro (Bergson), seja lá o que estejamos pensando, nunca teremos a garantia de que a pessoa que se encontra diante de nós esteja compreendendo exatamente o nosso momento de amor, gentileza e amizade como nos estamos sentindo. Enquanto você quer ficar em casa com o seu namorado, ele prefere sair com os amigos para assistir à uma partida de futebol. Este é um exemplo muito banal das infinitas diferenças de interesses que interferem nas relações interpessoais e que servem para unir ou separar as pessoas.

Resumindo, nossa ideia de amar, de sermos gentis e amigáveis está diretamente relacionada com a imprevisibilidade a respeito de nossos variáveis e fugazes sentimentos.

Ao tentar responder o título dessa crônica, está muito longe de ser bobagem falar de amor, gentileza e amizade, porque essa é uma forma de lembrarmos desses importantes valores nas relações humanas, porque esquecê-los é zás-trás! A busca de saber quem somos faz parte da curiosidade humana desde a Antiguidade. Passaram-se milhares de anos e ainda há mais perguntas do que respostas. Mas essas dúvidas valem em geral para as ciências humanas e as naturais, mas aqui já estamos ficando acadêmicos em demasia. Vale advertir: as cenas cotidianas, sobretudo nas grandes cidades, indicam que a sociedade está indo cada vez mais rápido em direção da barbárie, quando deveríamos estar caminhando rumo à civilização. (C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.