OPINIÃO – A SOCIEDADE TORNOU O FODA-SE UMA EXPRESSÃO DE LIBERDADE

Ontem me permiti, pela primeira vez, a fazer uso de uma “licença poética”, que, explico desde já, tratar-se de um termo que jamais utilizei em meus escritos públicos. Algumas leitoras aplaudiram, outras reagiram com figurinhas sugerindo surpresa, mas houve uma razão imperativa para a fazê-lo.

Eis, em plenitude, o que postei na minha página no Facebook: “Desculpem-se uma licença poética, mas se todos apertarmos o botão do foda-se agora, sentiremos um alívio do caramba!”.

A palavra tem aparecido com certa frequência em várias publicações sem os pudores convencionais das hipocrisias sociais. Tenho um livro cujo título é exatamente A sutil arte de ligar o F*da-se.  Outro, intitula-se Liberdade, Felicidade e F*da-se. Há uma frase, cujo autor desconheço e que está no Google: “Um foda-se bem dado equivale a uma década de terapia”. E uma infinidade de outras.

O principal significado que conferi ao termo diz respeito não à conotação sexual do termo, mas a um estado de indignação, ou seja de uma repulsa a todas as injustiças e desrespeitos cometidos contra a população pelas autoridades públicas, pensando sobretudo em nossa cidade.

Foi resultado de uma paciente observação de milhares postagens da população indignada com os serviços públicos ineficientes de coleta de lixo, de saúde, nos transportes coletivo e de escolares. Hoje (15) havia ônibus escolares quebrados na Estrada da Cachoeira, nas estradas esburacadas, na coleta de lixo. Vi diversas fotos postadas num grupo mostrando montanhas de lixo em vários bairros, entre tantos outros fatos desanimadores.

Sei do esforço de um grupo de mulheres que usam como marca expressiva lenços na cabeça que teve seu início quando foi fechado o Pronto Socorro infantil e que vive chamando a “Produção”, uma referência ao gimmick utilizado pelo apresentador Celso Russomano, para atrair a atenção e aumentar a intensidade do apelo público. Elas o convidaram diversas vezes para acompanhar o problema do transporte de escolar em Ibiúna.

Outro grupo aberto está projetando diversas ações com o propósito de mobilizar seus próprios participantes e as autoridades para solucionar problemas cruciais para a melhoria de qualidade de vida população.

Um veículo de imprensa tem o compromisso de refletir os anseios da sociedade, por meio de notícias, artigos [como este] e manifestar opiniões que circulam no cenário da sociedade real.

Isso faz parte de uma sociedade livre, saudável e democrática e não tem caráter de retaliação e sim de abrir um debate público porque a cidade é a soma de todos os seus componentes, em nosso caso 78 mil almas.

É preciso lançar luzes que permitam perceber que há muitos caminhos para lidar com os problemas da comunidade e isso envolve diretamente as autoridades públicas e suas ações práticas.

Então, em vez de nos torturamos interiormente por problemas que não causamos, precisamos ter presente a necessidade de oxigenar nossas mentes para que, por meio do riso, da diversão, da calma hilária, possamos resgatar nosso senso de dignidade ferido.

Centenas de munícipes notificaram nas redes sociais serem contrários à reeleição, de cargos executivos e parlamentares, exatamente porque querem mudança e melhorias no andamento da carruagem. Temos, em nosso perfil sociocultural, traços marcantes como a discrição, a cautela, o recato, mas parece que esse modelo está com seus dias contados pelos sinais de indignação manifesta.

Se, por coincidência e supostamente, as autoridades na intimidade de quatro paredes, nos veem sob a rubrica do Foda-se, por se acharem “injustiçadas e incompreendidas”, por que não podemos nos permitir a mesma expressão como forma de preservar nossa independência emocional?

Foram tantas e sucessivas administrações que se desviaram do rumo que deviam seguir, como servidores públicos, que se criaram mitos como “sempre foi assim”, “são sempre os mesmos, porque os eleitores se sujeitam a promessas não cumpridas ou barganham votos por assistencialismos ou valores materiais”, entre outros, que a paciência parece estar em processo de esgotamento.

Enquanto a população não for protagonista autônoma de seus votos, corremos o risco de, mais uma vez, a história se repetir, como se o mundo ainda fosse plano e o sol girasse em torno da terra, o que sabemos foi uma ignorância cujos reflexos ainda podem estar latente na vida de muitos.

Mas é preciso pensar que a única constante é um processo de mudança que está presente na Natureza e em nossas vidas individuais e coletiva. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

 

 

 

 

  

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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