NOS DIAS DE HOJE – É BOM APRENDER A COMPRAR BATATAS

BATATA

A batata, rica em amido, um carboidrato, é o quarto alimento mais consumido no mundo. Sua origem natural é a Cordilheira dos Andes, próximo ao famoso lago Titicaca. Daí foi levada para outras regiões do planeta por colonizadores europeus. Atualmente, existem milhares de variedades espalhadas nos cinco continentes e, culturalmente, é considerada um alimento fundamental.

O cultivo da batata começou a ser feito por civilizações andinas há cerca de oito mil anos, sendo aperfeiçoado pelos Incas, que usavam técnicas de irrigação. Os espanhóis introduziram a batata na Europa no século XVI e ela se tornou um alimento essencial no continente, mas ataque de pragas que devastaram as plantações causaram milhões de mortes de pessoas que tinham na batata o principal alimento. Isso, por exemplo, aconteceu na Irlanda em 1845.

Uma curiosidade: o maior produtor de batatas no mundo é a China, cuja produção somada com a da Índia, responde por um terço da produção mundial.

ACORDAR E PERCEBER

Então, já posso contar a história que, na realidade queria contar, e não falar de batatas, que se tornaram minhas protagonistas. Fui a um supermercado em Ibiúna esta semana exatamente para comprar batatas. Fui ao tabuleiro em que normalmente exibe esse tubérculo [tubérculo, com forma arredondada, é um órgão de reserva de energia da planta, em geral amido, um carboidrato).

Epa! A primeira impressão colhida pelos meus olhos foi de desaprovação. Havia alguma coisa errada com elas. Procurei opções, umas batatas arroxeadas, mas também não estavam com aparência convincente. Bestunto, voltei para o primeiro tabuleiro e, mentalmente, “decidi” escolher as melhores entre as piores, entre o que havia ali. De repente, e agradeço minha mente por isso, conclui: “Essa batata está apodrecendo!”.

Ato contínuo, procurei um dos atendentes da seção e apontei o problema, mas deu tempo de notar que outros consumidores escolhiam as batatas, que melhor lhes parecessem, punham num saco plástico, iam para a pesagem e saiam com o produto. O rapaz, educadamente, disse espera que vou pedir para trazerem outras batatas, o que fez com um telefone celular. Daí a pouco surgia o herói com três engradados plásticos cheios de batatas em ótimas condições. Pedi licença [estava com pressa] peguei várias delas, enfiei no saco plástico, pedi para pesar a mercadoria.

Nesse instante, apareceu uma pergunta como um clarão: “Por que as outras pessoas agiram de modo tão automático e sem observar que a maioria das batatas expostas apresentavam manchas escuras, indicando degradação, não tomaram a mesma atitude e simplesmente se submeteram ao que viam?

EURECA!

Daí para a eureca! foi um pulo rápido. Na minha memória de sociólogo brotou a lembrança de que os atores sociais, na maior parte do tempo agem de modo inconsciente, mecanicamente, sem pensar, sem refletir, diria, enfim, sem autonomia ou dominados de fora para dentro. É isso que chamo de estado hipnótico, como se estivéssemos agindo como meros robôs.

Então, a divagação foi inevitável e as perguntas brotaram abundantemente: por que os moradores no bairro da Cachoeira, sobretudo as mais de duas mil pessoas que no Condomínio Residencial Ibiúna não protestam contra as péssimas condições em que têm que caminhar até o centro da cidade de Ibiúna e voltar para casa em uma valeta perigosa, onde já aconteceram quedas com danos físicos em pelo menos uma senhora? Por que não conseguem se reunir e pleitear que ali seja feita uma calçada, como tem sido feito pela revista vitrine (já divulgou quatro notícias a respeito)? Será que consideram natural andar em uma valeta coberta de lixo e escorregadia ou em cima de cascalhos e buracos, na outra margem da estrada?

Da mesma forma, por que não se organiza a sociedade para pleitear com consistência e substância os seus direitos perante a administração pública, seja no âmbito da saúde, da iluminação pública, na qualidade das estradas, etc., se reclamam tanto da inércia dos vereadores da cidade?

Poderia tecer aqui algumas considerações de natureza cultural e até mesmo antropológicas, na tentativa de explicar porque a massa populacional se comporta desse modo e não de outro, com exceção de casos isolados em que, tomados por desespero, uma pessoa aqui outra ali resolve tomar uma atitude radical e dramática, que é rapidamente absorvida pelo aparato de segurança pública e do sistema político e administrativo vigente.

OMELETE DE BATATA

Poderia, enfim, fazer uma digressão intelectual em geral bastante indigesta para a maioria dos leitores sem o hábito de leituras um pouco além do trivial e superficial. Por isso mesmo, deixo aqui o recado de um humilde escriba que não perde a esperança de contar com a força e o poder das palavras.

Da próxima vez que for comprar batatas, preste mais atenção, veja se estão estragadas, podres, sem condição de justificar o preço que se paga por elas. É assim que se aprende a acordar para a realidade, ficando atento e reagindo com inteligência aos pequenos e corriqueiros fatos do dia a dia. Só por isso, vou comer uma omelete de batata hoje.

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Carlos Rossini, jornalista e sociólogo, é editor de vitrine online, colaborador da TV Ibiúna e agora também videorrepórter da cidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.