CRÔNICA – ÀS VEZES, IBIÚNA PARECE UM LUGAR ESTRANHO

coisa estranha

Ibiúna, às vezes, me parece estática, distante, indiferente, estranha, como se eu não existisse e vivesse aqui, embora a ame e, movido pelo amor que sinto por ela, procuro me convencer que minha impressão seja apenas uma forma passageira e equivocada, pelas mudanças de humores a que todos estamos sujeitos.

Assim vejo essa sociedade que se espalha por um vasto território natural que, aos poucos, está sendo destruído, sem que as pessoas se deem a devida conta da gravidade que isso representa para o futuro próximo e as novas gerações.

Ibiúna, às vezes, aparenta estar chafurdada de tal maneira na hipnose pela sobrevivência cotidiana que parece ter perdido o sentido da importância de demonstrar, conscientemente, atitudes de afeto, amor e compaixão pelos seus conterrâneos, sem esperar nada em troca.

Obviamente, há pessoas ou “anjos sociais”, de coração puro, que se dedicam a causas pelo bem do próximo, tanto material quanto espiritualmente, mas essa parcela de personagens solidários e sensíveis com a dor dos outros não consegue ocultar a realidade que vemos nas ruas, nas áreas mais carentes, nas filas dos órgãos públicos como se procurassem um pátio dos milagres.

Há um movimento humano diário, seja na prefeitura, no serviço social, na Câmara, de pessoas que buscam por toda forma de auxílio, seja em busca de atendimento médico-hospitalar, remédios, realização de exames especializados, cesta básica, transporte, etc. Se um dia todos se juntassem na praça da Matriz, teríamos uma dimensão clara do tamanho desse problema. Isso expressa a existência de uma ferida social crônica indisfarçável. E esse fenômeno afeta, de alguma forma, a vida de cada um de nós.

A falta de empregos, que atinge marcas cruéis no Brasil, é particularmente gritante em nossa cidade, para os jovens que buscam uma primeira oportunidade e para aqueles que são chefes de família que dependem do que são capazes de trazer em casa no fim de cada mês, para dar conta da fome de cada dia.

Essa situação quando transita de dramática para o desespero é a pior dor que os pais experimentam aos olharem seus filhos. Ao fazer essa menção estou me cutucando, pois essas pessoas sofrem num silêncio sem misericórdia, a um passo da loucura.

Alguém lembra-me que em Ibiúna, pelo menos, ninguém morre de fome, por ter alimentos plantados em toda a parte e é muito bom ter esperança de que essa possibilidade possa se tornar viável, se a crise piorar. Mas, quem consegue enfrentar a força do poder econômico que se reflete nos preços, colocados nas gôndolas dos supermercados, que aumentam com uma frequência cada vez mais rápida? São implacáveis ao repassar os custos originados a partir da indústria e já estão adotando ações discretas para assegurar a própria sobrevivência, pois a lei do mercado é implacável para os corações moles. Não é à toa que a inflação é simbolizada por um dragão insaciável.

Quando vemos vários homens, muitos dos quais ainda jovens, com os rostos manchados pelo estrago feito em seus fígados “cozidos” pela bebida, penso mais uma vez que há algo errado em nossa sociedade, uma cidade que poderia ser um exemplo de promover a qualidade de vida de seus cidadãos, mesmo aqueles que estão aparentemente espalhados na imensidão da Mata Atlântica vivendo de modo primitivo, da caça e da pesca e também de algum cultivo.

A tese que apresentamos aqui é simples: a prefeitura, num gesto de grandeza e sabedoria do valor do povo, deveria dirigir um esforço concentrado para tornar Ibiúna uma cidade feliz, solidária, afetiva e amorosa. Esse seria o melhor e o verdadeiro espetáculo a ser oferecido à população e seria oportuno que esse procedimento tivesse início logo, entre outros motivos mais nobres, a fim de evitar o crescimento da violência pública na forma de furtos, roubos, latrocínios. Já não estão livres de assaltantes [como se noticiou recentemente] os estacionamentos dos supermercados, que já estão reforçando seus mecanismos de controle, a fim de evitar sobressaltos em seus negócios.

Nós, os brasileiros, estamos cada vez mais distante da paz social, que seria um produto “natural” do dístico do pavilhão nacional: “Ordem e Progresso”, criado na França pelo filósofo Auguste Comte (1798-1857), fundador da Sociologia e da filosofia positivista. Em suma, Comte acreditava que a sociedade encontraria seu próprio caminho de progresso, prosperidade e bem-estar na medida em que fosse se aperfeiçoando e corrigindo seus problemas, conflitos e crises. Pensando bem, o Brasil, ficou ainda mais estranho, pela falta de vergonha de políticos gananciosos e empresários, em parceria em que se misturam corruptos e corruptores. (Carlos Rossini)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.