“VOTO DE CABRESTO” – O TEMPO EM QUE OS ELEITORES ERAM TRATADOS COMO ANIMAIS

cabresto

No dia 2 de outubro próximo, portanto daqui a quarenta dias, os brasileiros irão às urnas para escolher prefeitos, vices e vereadores. Voto é um modo de manifestar a vontade num ato eleitoral, um direito de exercer essa manifestação. Considerando que os resultados de uma eleição legitima os representantes do povo para exercer o poder em seu nome e, portanto, influenciar seu destino, pode ser considerado um ato sagrado.

Hoje temos mais liberdade para votar, mas ainda estamos vivendo sobre os resíduos nefastos de uma cultura política sórdida em que os eleitores eram tratados como animais. E veja que não há exagero algum nessa expressão.

Num passado não muito distante assim, existia (e ainda existe de modo transfigurado e mais sutil) o “voto de cabresto”, sistema tradicional de controle do poder político por meio do abuso de autoridade, compra de votos ou utilização da máquina pública. É um mecanismo muito recorrente nos rincões mais pobres do Brasil como característica do coronelismo.

O “voto de cabrestoera uma forma eleitoral impositiva e arbitrária, imposta pelos coronéis. Essa denominação é resultado da junção de duas palavras: voto, um exercício democrático; e a palavra cabresto, do latim capistrum, que significa “mordaça ou freio”, o instrumento de controlar os animais.

O “voto de cabresto” foi uma prática generalizada sobretudo nas regiões mais carentes do Brasil, especialmente no Nordeste, desde o Império e no período da República Velha. O sistema eleitoral brasileiro nessa época possibilitava, pela sua fragilidade, a adulteração e a manipulado do processo e dos resultados eleitorais, refletindo os interesses escusos das chamadas elites agrárias.

O eleitor só necessitava entregar pessoalmente um pedaço de papel com o nome do seu candidato, o qual poderia muito bem ser escrito pelo próprio coronel, já que a maioria desses eleitores nem mesmo sabia ler, e depositá-lo numa urna, um saco de pano.

O “voto de cabresto” está indissoluvelmente ligado ao coronelismo e à violência deste regime. O coronel em geral era um fazendeiro muito rico, que lançava mão de seu poder econômico e militar para garantir a eleição dos seus apadrinhados políticos. Esses coronéis obrigavam sua clientela, até mesmo com violência física; em casos extremos, podia chegar à morte.

A área sob controle coronelístico era chamada de “curral eleitoral”. Como o voto era aberto, era possível identificar cada eleitor. Assim, os votantes eram pressionados e fiscalizados por jagunços do coronel.

Esse regime acabou ou foi reduzido após a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas assume a Presidência da República e combate o coronelismo. Em 1932, entra em vigor o primeiro Código Eleitoral do Brasil, que garante o voto secreto, tirando o poder das elites rurais, proporcionando liberdade de voto aos eleitores.

ABUSOS E COMPRA DE VOTOS

Nesse contexto histórico, podemos ver a origem das mazelas políticas que acontecem por todo o País. Os coronéis manipulavam soberanamente o poder político por meio do abuso de autoridade, compra de votos ou utilização da máquina pública; não era raro também, a criação de “votos fantasmas”, troca de favores e fraudes eleitorais, “forjadas a partir de documentos falsificados para que menores e analfabetos pudessem votar”.

A fraude da contagem de votos era protagonizada pelos coronéis, que desapareciam com urnas para adulterar seu resultado, porém a forma mais comum de controlar os eleitores era a coerção pela violência física e psicológica.

Tudo indica que as práticas de “voto de cabresto” tornaram-se mais sofisticadas e continuam a vigorar, até mesmo nos centros urbanos, onde as milícias, que exercem uma função paramilitar, agem com violência. Segundo estudiosos, nessa situação a vontade do eleitor é violada por narcotraficantes, milícias, líderes religiosos e pela manipulação das massas, e seus imaginários, por meio do clientelismo gerado pelos programas assistenciais.

Nos tempos atuais, outra expressão relativa ao processo eleitoral ganhou destaque. Trata-se do “voto de cajado”, influência exercida por pastores e líderes espirituais que “impõem” aos fiéis um certo candidato da igreja. E essa seria, segundo analistas políticos, a razão principal do fortalecimento da bancada religiosa no Congresso Nacional, nas Assembleias e nas Câmaras Municipais espalhadas por 5.570 municípios brasileiros.

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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