ENSAIO – PARA LER DEPOIS DO CARNAVAL

carnaval figuras

Se o Carnaval é a festa da carne, isto é, da alegria, do prazer, da luxúria, do êxtase; do ponto de vista do cristianismo, nessa mesma perspectiva, é a festa do pecado que tem de ser punida, na quarta-feira, com a penitência das cinzas, que simbolizam o pó, a finitude da vida. De fato, se de um lado há o reinado de Eros [erótica], de outro, Thanatos [morte]. Ou: matéria e alma.

Como o Céu é inatingível e a Terra é dura e bruta, os seres humanos vivem numa espécie de intervalo [aliás muito breve] em que as dúvidas, os mistérios e as incertezas regem as vidas de cada um de nós. A festa do Carnaval é uma das diversas modalidades de válvulas de escape das tensões que se criam e se acumulam no dia a dia, nas lidas para a sobrevivência, assim como o Natal e as mudanças de calendários anuais.

Já disseram alguns, por esses dias regidos por Momo, que se a população saísse nas ruas aos milhares e organizados como as escolas de samba, seria possível que a caterva de políticos correria sérios riscos de ser defenestrada do império maldito, que criaram mediante acordos secretos com o diabo e que tantos danos causaram e causam à nação brasileira.

É incrível, mas parece cada vez mais impossível encontrar um político que esteja fora de qualquer suspeita ou livres indiciamentos ou dos crivos da Polícia Federal, além dos colarinhos brancos que já estão presos graças a um representante da Justiça de tirar o chapéu, Sérgio Moro. E querem enfraquecê-lo, os cafajestes! Mas não conseguirão!

O adjetivo vergonha não atinge essa espécie de políticos monstruosos que vivem do trabalho e do sangue dos brasileiros desvalidos de tudo, principalmente daquilo que dignifica os homens, seu trabalho. Bolsa família é um engodo, uma mentira, uma ilusão absurda. O homem precisa de trabalho que lhe confere dignidade familiar e social.

O Carnaval, que as emissoras de televisão exaltam dentro de uma ideologia dominante e conservadora [ir contra a arraigada cultura popular é perigoso e pode reduzir os lucros], é um breve período de tempo em que as praças são inundadas de milhões de latas e garrafas de cervejas, cachaça, ou bebidas finas para a nobreza financeira, toneladas de maconha, ecstasy, cocaína, crack – substâncias que remetem a mente para os chamados “estados alterados de consciência”. Seus usuários se tornam radicalmente irresponsáveis e antissociais.

Nesse clima de purgatório a vida rola como se não houvesse problemas; pelo contrário, sob os efeitos dessas drogas cada um potencializa o que quer, dentro do plano de seus desejos ocultos e inconscientes. Fica fácil liberar o animal que vive dentro de cada um de nós. A violência a cavalo! Também a estupidez em suas manifestações mais vis.

Por tudo isso, é grande o contingente de pessoas que ficam longe do Carnaval. Vão para as praias, montanhas, retiros, ou ficam em suas casas reunidas com familiares curtindo a proximidade e os alimentos que compartilham em mesas preenchidas de relacionamentos parentais.

Então, depois que passa o Carnaval, vem a ressaca das cinzas, a Quaresma, período de quarenta dias de jejum orações e penitências, subsequentes à Quarta-feira de Cinzas, em preparação para a Páscoa.

A Páscoa é uma das mais importantes celebrações cristãs. O domingo de Páscoa marca o ápice da Paixão de Cristo. Tradução: depois da festa da carne [do pecado], vem a penitência e, enfim, a ressureição de Cristo que, mais uma vez, serve para purificar e redimir as pessoas dos pecados cometidos.

A partir daí, lamentamos escrever, tomam corpo na vida social os pecados habituais de cada dia e, em oposição, as manifestações de desejos de que a vida seja diferente, estabelecendo uma dialética que nos levará a todos a outros carnavais, pois a carne é fraca e as nossas mentes parecem não nos pertencer.

Seremos mesmo, como defendia um famoso psiquiatra e psicólogo, todos infantis e imaturos? Ainda não aprendemos a pensar formas diferentes e inovadores de sermos melhores do que temos sido? (C.R.)

P.S.: Leitor, não leve a sério o que foi escrito acima. Viva sua vida com alegria, mesmo antes, durante e depois do Carnaval. Afinal, há tantas coisas ultrapassadas, obsoletas mesmo, mentiras que nos contam há séculos e, enfim, ninguém sabe o que é pecado e até mesmo se ele existe. Depois, há tantas injustiças, dores e sofrimentos debaixo do Sol e a vida é tão efêmera, que melhor mesmo é viver nossos sonhos de liberdade.

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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