BREVE CONVERSA COM UM VELHO PAR DE TÊNIS

Em vez de acompanhar o noticiário político que assola o Brasil, um país em que abundam, ainda que risíveis, “mestres” e “pós-doutorados” em corrupção, passei a lançar novos olhares para esse mundo em que vivemos.

Um bando de cínicos desavergonhados – e a Polícia Federal promete que irá provar que Jaques Wagner, petista e ex-governador da Bahia, teria embolsado R$ 82 milhões em propinas das obras superfaturadas do estádio Fonte Nova, sendo, portanto, o mais novo personagem numa grande lista sórdida. Acusado de ter coleção de relógios caríssimos teve a desfaçatez de dizer que são réplicas e não peças autênticas. No contexto dos fatos conhecidos, quem acredita?

Hoje, quando o dia começava a amanhecer estava passando pelo vizinho município de Piedade, cujas ruas se encontravam desertas, a não ser por poucas pessoas que se protegiam do relento à espera de condução encostadas em muretas nas calçadas. Ao todo não vi mais do que dez pessoas. Acho que nenhuma delas estava olhando para o céu.

Mas a grande surpresa ficou por conta exatamente do céu que me encheu de uma alegria inefável. Um azul liso e fascinante aos olhos formava um manto sobre Piedade. Presenciei aquele cenário como um acontecimento divino. Um pouco sonolento, despertei com o entusiasmo de uma criança cuja curiosidade tem um quê de achar tudo no mundo uma grande novidade. E é isso mesmo: tudo é novidade para quem está acordado. Mas aquele azul maravilhoso inspirava paz, serenidade, como uma benção de luz sobre uma cidade. Depois de atravessar a área urbana e prosseguir viagem para Sorocaba aquele tom foi se perdendo e dando lugar para o cinza, pois o dia ficou nublado. Mas aquele azul ficará para sempre na minha memória como um momento único para ser apreciado por aqueles que olharam, como eu, para o céu.

À noite a televisão brasileira já havia mostrado à exaustão que o agora ministro da Segurança, Raul Jungman, já havia defenestrado diretor da Polícia Federal, Fernando Segovia, que teria, não afã de proteger o presidente Michel Temer, derrapado em comentários relacionados a desvios ocorrido no Porto de Santos, implicando Michel Temer, e ofereceu, assim, a própria cabeça para a forca.

Esse tipo de acontecimento ocorre no Brasil político com uma prodigalidade e de modo tão histriônico, para não dizer um palavrão, merece o mais proverbial desprezo, e não a atenção ou aborrecimento de pessoas inteligentes e que são bons cidadãos.

Abri espaços para novas conversas. Uma delas com meu velho par de tênis [que você pode ver na foto]. Esse cara é real, vive comigo, me suporta nos terrenos mais irregulares e pedregosos e me permite caminhas todos os dias. O solado já está gasto e irregular, uma das pontas se soltou, assim como há um rasgo numa das laterais do pé direito. Ele se ajeita de tal maneira aos meus pés que saímos pelo mundo sentindo o chão de modo pleno.

Cada vez que o calço penso que será a última vez, já que seu estado não permite muita expectativa de duração, e eu que o calço e solto meu peso sobre ele descaradamente. Mas me sinto aliviado por ter emagrecido pelo menos oito quilos e espero que ele tenha observado essa diferença a seu favor.

O magnífico céu azul de Piedade e a reverência que faço ao meu velho par de tênis esta noite valem muito mais do que essas bobagens ridículas, de uma peça esdrúxula, protagonizada por um nefasto elenco que não sente a menor vergonha de viver à custa do que roubam do povo e os faz enriquecer. Riem se você fala de ética, de moral, de respeito. Parece que são apenas um bando de animais de rapina que um dia, mais cedo ou mais tarde, pagarão pelos crimes que cometem contra a nação impondo sofrimento terrível àqueles que mais necessitam de ajuda.

Já guardei meu velho par de tênis e espero que amanhã ele esteja mais uma vez comigo, sobretudo nos momentos em que dançamos juntos sobre o gramado, em torno das árvores, e compartilhamos esses momentos tão agradáveis com os pássaros e outros animais que sempre estão por perto. Quando ia saindo do quartinho onde o deixei no lugar habitual, o tênis disse que se sentia orgulhoso por ser alvo de tanta consideração e no seu próprio idioma disse: – Boa noite! Amanhã estamos juntos de novo! É isso aí, respondi juntos como bons amigos! E pensei: isso é mesmo muito real. (Carlos Rossini)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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