DELICADEZA EM FLOR – VOCÊ ESTÁ SENDO VISTO, MESMO QUE NÃO PERCEBA

Na varrição do quintal, como tenho feito por hábito e pelo que me sinto feliz de lidar bem de perto com a Natureza, além do que garanto minha cota diária de exercícios – caminhar e limpar o quintal – cada dia mais me surpreendo com os fatos com os quais me deparo.

Os insetos em geral, as formigas, os pássaros, as plantas, as cadelas, as árvores, imensas, médias e pequenas; em suma, a vida natural em seu curso regido pelos mais profundos mistérios. Digo: se o significado da palavra animal é “aquele que respira”, digo que tudo, animais e vegetais, e também os minerais, comunicam-se entre os de sua espécie, como com os homens, quando estes têm presente que faz parte da mesma constelação existencial.

A estupidez humana que criou um sentido de propriedade e considerou que era senhor absoluto da Natureza, até mesmo com a chancela míope de base religiosa, tornou-se ou arrogou-se se dono dela para fazer o que quiser. E está fazendo: sendo o bicho que mais destruição causa na Terra, em sua insana busca de prazer a qualquer preço, para sentir-se [falsamente] imortal.

Mas tanto os bichos quanto as plantas nos veem e tentam se comunicar conosco, animais pecadores e errantes pelo mundo. Há seres humanos que estão conciliados e numa saudável comunhão com as outras formas de vida e, que portanto, mantêm um relacionamento maravilhoso com as coisas naturais.

Os bichos e as plantas “falam”, do jeito deles, mas somos superficiais, grotescos, prisioneiros da vida econômica originada pelo capitalismo, feito de barbarismo e exploração ilimitada da Natureza, que sintomaticamente a vê como fonte de “recursos”. Sim, o homem separado da Natureza é um ser dividido, como aqueles que se separaram da mitologia divina. E haja divã para ouvir tantos absurdos de almas vazias.

Ufa! Voltemos à calma, pelo menos por uns instantes em que possamos nos sentir livres de toda pressão social – sim, isso é possível àqueles que ainda sentem ter um coração. Desejo compartilhar exatamente isso: hoje pela manhã, passando por uma sibipiruna que foi plantada pelo meu pai – a muda, então, tinha apenas alguns centímetros – quando percebo uma vida novinha em folha, uma orquídea branca, com rosto de pessoa ou talvez de anjo [veja a foto com atenção].

O milagre acontecido foi exatamente este: nos vimos reciprocamente. Não era eu, um animal humano, a olhar para uma flor gentil, bela, encantadora, dizendo-me coisas que não requerem palavras. Mas ela, estava ali com seu meigo e afetuoso olhar. E, mantendo o segredo da minha vida, compreendi o que estava me dizendo, pois sei o que há naquela terra que fornece a seiva da sibipiruna.

E, por instante, vi o quanto nossa vida cotidiana está equivocada, quanto é absurda e embrutecida pelos dissabores que todos passamos, acabamos perdendo o contato com a gente mesmo, e como nos tornamos estranhos e precisamos de alguém a nos dizer o quanto estamos pecando [não no sentido clerical do termo], seja andando em círculos perpetuamente e, portanto, indo e vindo ao mesmo lugar, e quanto erramos ao não reconhecer nosso caminho e o rumo que estamos seguindo.

Vivi um grande momento de amor com uma modesta orquídea, que poderia passar ali despercebida, mas que me deu um dos melhores presentes, um bom-dia feito de pureza. (Carlos Rossini)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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