“CHEGA DE LERO-LERO, EU QUERO A VERDADE!”

ÀS VEZES, inesperadamente, topamos com tipos humanos que, talvez por suas esquisitices, podem dizer certas verdades sem explicar suas razões. Mas, o mundo é cheio de mistérios mesmo. A inteligência científica mundial ainda engatinha em torno dos grandes segredos da Natureza, tanto do Cosmo quanto de nossa terrinha planetária. O mesmo desafio se impõe no que diz respeito ao conhecimento sobre nossas mentes (ou cérebros, para quem preferir).

A verdade nesses planos é buscada por meio de teorias que, muitas vezes se chocam umas com as outras. E, ao que tudo indica, é, por isso, sempre relativa.

Por conta exatamente da densa camada de mistérios que nos envolve, para se proteger, a maioria das pessoas, em todo o mundo, busca consolo em uma enorme diversidade de crenças. São afortunadas aquelas que o encontram porque se livram das turbulências e dores provocadas pelos chamados buscadores de conhecimento, justamente aqueles que apostam todas suas fichas apenas no intrincado jogo da razão.

O homem é também, e frequentemente, irracional porque pertence ao mundo animal. Muitos são verdadeiros bichos predadores e agem em constante competição uns com os outros. Não vamos falar aqui das miríades de crimes que se cometem e que a mídia divulga em quantidade.

Mas, uma coisa parece considerável: o turbilhão dos acontecimentos cotidianos, envolvendo tanto a questão da sobrevivência mínima quanto a ambição descabida de alguns que são capazes de tudo para satisfazer seus desejos íntimos, ainda que possam ser mórbidos – e muitos o são.

Então, é requerido que percebamos que vivemos num mundo em que de poeta e de louco todos temos um pouco, mas alguns extrapolam o mínimo aceitável para que possam viver em sociedade aberta. Cometem crimes todos os dias ou se isolam e passam a viver como uma ilha rodeada de delírios.

Estava pensando exatamente nisso, quando cruzei, aqui mesmo em nossa cidade, com uma mulher aparentemente normal e saudável, bem-vestida, caminhando por uma rua no centro.  Falava ou gritava como se tivesse alguém diante de si (talvez uma plateia imaginária?). Sua fala era como se fosse emanada de um disco repetitivo:

“Chega de lero-lero, eu quero a verdade!”

Às vezes falava de tal maneira baixo que era quase inaudível. Mas insistia na frase como se estivesse cobrando alguma coisa de alguém. É sempre bom ouvir as mulheres, pensei.

“Chega de lero-lero, eu quero a verdade!”

Imaginei que pudesse lhe perguntar a que se referia, mas, na verdade, quando nos deparamos com pessoas desconhecidas no momento em que se estão comportando de modo incomum, tendemos a tomar cautela. É uma reação natural.

“Chega de lero-lero…”, prosseguia.

Pensei então o que vem a ser o lero-lero a que se referia e que verdade deseja ver. Bem, tive que seguir adiante, pois já vi muita coisa nessa vida e grande parte delas jamais entendi. Mas, pensando com os meus botões, essa fala poderia estar na boca de um personagem de novela e talvez fosse uma crítica velada a algo que se pretende mudar e do qual discordamos. Leitor, deixo com você imaginar ou não qual o sentido dessa evocação feita por uma cidadã, que pode morar na sua rua, ser sua vizinha, sempre simpática e cordial, mas que ficou cheia. Quem sabe esteja descontente como você e tenha resolvido manifestar seu sentimento publicamente para despertar coragens? Por que, não?  (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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