DA HORA – EM SETE MESES, MAMONAS ASSASSINAS VIRARAM A CABEÇA DO BRASIL

Em outubro de 1995, estava voltando de Itajaí para São Paulo. Quando minha mulher e eu chegamos ao Aeroporto de Navegantes, em Santa Catarina, uma multidão ocupava a parte externa e todo o saguão. Mal se podia mexer de tanta gente, a maioria crianças e adolescentes, mas também adultos que os acompanhavam e também demonstravam notória expectativa.

Não tínhamos a menor ideia do porquê tanta gente ruidosa se concentrava naquele lugar. Daí a pouco, desce um pequeno avião e dentro dele os integrantes da banda Mamonas Assassinas, já extremamente famosos em todo o Brasil. Quando aqueles jovens foram vistos pela irrequieta multidão – Dinho, Bento, Samuel, Júlio e Sérgio – a gritaria ficou intensa, assim como a movimentação de centenas de fãs.

Quando entrei na pista para embarcar, vi o pequeno avião que trouxera aqueles astros que, em pouquíssimo tempo, se tornaram unanimidade nacional, acredito pelo ineditismo da alegria musical sem precedentes daqueles meninos de Guarulhos, município da região metropolitana de São Paulo. Não sei exatamente por que, mas tive um estranho pressentimento.

Hoje, quando limpava o quintal, debaixo das árvores, lembrei-me deles e o primeiro pensamento que me surgiu na cabeça foi: “Os Mamonas Assassinas criaram a mais sensacional, divertida, alegre e irreverente banda jamais vista no Brasil.” Até hoje, vinte e três anos depois da morte de todos eles em um acidente aéreo na Serra da Cantareira em São Paulo, quando retornavam de mais um de seus shows pelo Brasil, continuam uma celebridade e lembrados com carinho por milhões de pessoas.

DA UTOPIA AO SUCESSO

Os Mamonas Assassinas surgiram com esse nome em 1990, antes, surgida em 1989, se chamava Utopia. E o sucesso deles, espetacular, surgiu como num passe de mágica, causando a maior surpresa para todo o Brasil. A biografia do conjunto, no entanto, foi breve. A banda teve uma explosão de sucesso de 23 de junho de 1995 até o dia 2 de maio de 1996, quando o avião em que se encontrava bateu contra um morro, quando fazia aproximação para aterrissar no Aeroporto Internacional de Guarulhos. A triste notícia causou enorme consternação por todo o País e até hoje continuam sendo lembrados como um fenômeno maravilhoso de criatividade musical única.

Dinho (Alecsander Alves), vocal e violão; Bento (Alberto Hinoto), guitarra; Samuel  (Samuel Reis de Oliveira), baixista; Júlio (Júlio Cesar), teclado; Sérgio (Sérgio Reis de Oliveira), bateria. Esses moços cheios de vida e alegria sacudiram o Brasil.

Suas músicas definidas como rock cômico eram uma mistura engenhosa de gêneros com inegável produção talentosa: pop rock,  sertanejobregaheavy metalpagodeforrómúsica mexicana e vira português. Quem podia resistir às letras irreverentes e as cenas que inventavam no palco? A voz, os gestos, as caretas de Dinho e dos seus amigos atuavam como catalizadores das atenções. Os fãs faziam parte de um ritual de libertação. Transformavam temas irreverentes em brincadeiras que ninguém levava a sério, pois eram os protótipos de um tipo de inocência que neutralizava o falso preconceito vulgar relacionado, por exemplo, com a sexualidade humana, a malícia e metáforas irresistíveis.

O título de suas músicas mais tocadas são reveladoras desse espírito livre de preconceitos: Pelados Em Santos, Vira Vira, Robocop Gay, Uma Arlinda Mulher, Chopis Centis, Sábado de Sol, Lá vem o Alemão, Sabão Crá-Crá, Débil Metal, Bois Don’t Cry, Cabeça de Bagre II, Jumento Celestino, Renato o Gaúdho, Não Peide Aqui, Baby, Desabafo do Dinho, Joelho, Marylou, Desndos Em Cancún.

BRINCADEIRAS NAS LETRAS

Quem esquece de Pelados em Santos. Eis um trecho:

Mina, seus cabelo é da hora

Seu corpão violão

Meu docinho de coco

Tá me deixando louco

 

Minha Brasília amarela

Tá de portas abertas

Pra mode a gente se amar

Pelados em Santos

 

Pois você, minha pitchula

Me deixou legalzão

Não me sintcho sozinho

Você é meu chuchuzinho

Em mundo animal, o que poderia ser mais coisa de meninos?

 

Comer tatu é bom

Que pena que dá dor nas costas

Porque o bicho é baixinho

E é por isso que eu prefiro as cabritas…

 

Em Robocop Gay, os Mamonas desandaram com preconceitos:

Um tanto quanto másculo

Ai, com M maiúsculo

Vejam só os meus músculos

Que com amor cultivei…

O que poderia ser mais divertido do que Vira-Vira?

Raios!

Fui convidado pra uma tal de suruba

Não pude ir, Maria foi no meu lugar

Depois de uma semana, ela voltou pra casa

Toda arregaçada, não podia nem sentar

Quando vi aquilo, fiquei assustado

Maria, chorando, começou a me explicar

Daí então, eu fiquei aliviado

E dei graças a Deus porque ela foi no meu lugar

 

Roda, roda e vira, solta a roda e vem

Me passaram a mão na bunda e ainda não comi ninguém

Roda, roda e vira, solta a roda e vem

Neste raio de suruba

Já me passaram a mão na bunda

E ainda não comi ninguém!…

Escrever sobre esse fenômeno meteórico não reproduz a maravilha e o encanto do que esses meninos fizeram e que virou o país de cabeça para baixo, ou de lado, ou dando piruetas, ou saltando, ou gritando, ou soltando o verbo, ou sobretudo, rindo com talvez a mais original forma de provocar alegria como nunca entre os brasileiros de todas as idades. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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