CASAMENTO – TRATAR O OUTRO COMO POSSE NÃO É AMOR

O amor é o mais importante, dentre todos os afetos que mantêm um casamento. As mais recentes estatísticas indicam que de cada três casamentos no Brasil, um termina em divórcio, ou seja, algo em torno de 30%.

Trata-se de um percentual considerável, mas não surpreendente tendo em vista os inumeráveis elementos que conspiram socialmente contra a permanência duradora da união entre um homem e uma mulher, entre os quais a mudança substancial que ocorre quando se deixa a condição de solteiro para compartilhar uma vida a dois.

As atrações que aproximam as pessoas são as mais variáveis e podem ter origem ainda na infância, ou em qualquer outra etapa da vida, por motivos que os próprios envolvidos muitas vezes não conseguem explicar.

O doutor Lúcio Packter, sistematizador da Filosofia Clínica, um método de lidar com problemas existenciais das pessoas, traça um panorama interessante do ponto de vista histórico a respeito do amor.

Por muito tempo, segundo ele, o amor teve como fator preponderante a propriedade [predominantemente do homem sobre a mulher]. Essa fase da humanidade já estaria superada. Em seguida, veio o sentimento de posse que está ainda em vigência na sociedade. Tanto um quanto o outro fator são reveladores da profusão de conflitos entre casais que podem provocar não apenas o divórcio, mas crimes brutais como se noticiam frequentemente.

A boa e auspiciosa notícia que nos dá o doutor Lúcio Packter é que, aquilo que foi refletido e sentido por filósofos, poetas e outros estudiosos, está a caminho. Trata-se de uma forma de amar em que o casal lida com o amor por meio da cumplicidade existencial, fidelidade de tal forma profunda que, embora cada um conserve sua própria identidade, ambos se unem tão intensamente que, às vezes, não sabem se são um nós ou o outro.

Do primeiro flerte inesperado, como um simples olhar sutil, ao namoro, ao noivado e, por fim, ao casamento, o par vive etapas em que vão deixando para trás o tempo de solteiro, das amizades, das relações sociais com outras pessoas, dos estudos, do trabalho.

Por outras palavras, os enamorados, na realidade, passam por mudanças que requerem alterações na percepção da realidade. A vida anterior vai ficando para trás, por conta do novo processo que passa a ser vivido a dois em outros cenários circunstanciais.

Outro dado divisor de modos de ser é a chegada dos filhos que modifica completamente as relações, próprias da constituição de uma família. Assim, o casamento abre outros caminhos e responsabilidades de estarem juntos em uma nova situação. Nem todos estão preparados para lidar com os problemas com maturidade. Na real, poucos estão preparados realmente para uma convivência saudável diante dos desafios que os afastaram da liberdade da solteirice.

Muitas vezes, no casamento, há momentos ásperos, choques de opinião, de gostos, e a famosa “química” do amor pode começar a descombinar. O amor requer oxigenação constante e um precisa ir ao mundo do outro com respeito, sendo que nem todos estão preparados emocionalmente para convivências em que a frustração pode ganhar força e enfraquecer as relações.

E, assim, a antiga sedução, seja pela beleza, seja por admiração, seja por ouvir sininhos quando um vê o outro, que acionou a afeição amorosa, começa a ser coisa cada vez mais utópica, e a construção de uma vida em comum pode sofrer abalos que afetam a estrutura de sentimentos que os uniu.

Há casais que são felizes no casamento, apesar dos conflitos que fazem parte da vida das pessoas. Mas, como cada um precisa preservar sua identidade, o amor conjugal pressupõe o respeito mútuo, para que possíveis imposições de um não sufoque o outro.

Em muitos casos, as divergências se tornam tão agudas que, com o passar do tempo, um ou outro procura seguir outro caminho não raro por meio da busca de um novo amor ou caso paralelo, quando a alma e o coração já não suportam mais a existência que pode virar tédio, mau humor, irritação e, por fim, agressões verbais ou físicas.

Ao buscar uma relação paralela, seja o homem ou a mulher, eles podem se tornar presas fáceis de sedutores destruidores de lares por meio da oferta de prazer. Passada a maré da paixão inicial por um amante, cai a cortina para alguém que se iludiu e caiu numa armadilha da qual foi o próprio construtor. Episódios como esse são tão comuns que aparecem representados em inúmeros filmes e novelas, com experiências às vezes traumáticas.

O doutor Lúcio Packter, com vasta experiência em atendimento em consultório no Brasil e no Exterior, notou que nem todos estão preparados para a instituição social do casamento.

Manter uma relação de afeto com base no amor consciente e maduro, porque a vida é cheia de armadilhas, é um segredo orgânico, íntimo, dos casais brindados com a sabedoria de entender a vida em sua ampla extensão.

Quantas pessoas do seu relacionamento já se divorciaram ou se separaram num curto período de casamento? Há tantas razões para que isso aconteça que a sabedoria popular considera o casamento uma “loteria”.

Aprender a amar sem sentimento de posse, respeitando o outro, com fidelidade e parceria existenciais, pode ser trabalhoso, mas é uma oportunidade rara para que o amor ressurja com um intensidade renovada. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

 

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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