NA FILA

Estava na fila à espera de atendimento para pagar contas em uma lotérica no centro de Ibiúna. Era um homem de 65 anos, aleijado por um acidente ocorrido quando tinha trinta e poucos. Se apoiava em duas muletas de alumínio.

Iniciamos um diálogo. Ele disse-me que havia ido antes em outra lotérica, mas que a fila estava muito grande. Decidiu então caminhar, subindo a ladeira, até chegar onde nos encontrávamos agora. Viera de ônibus para a cidade. Logo percebi que era um homem de fé e cultivava uma crença que mantinha sua paz constante. Dava-lhe uma força interior notável. Ao lado duas adolescentes pareciam atentas à nossa conversa.

Pois bem, esse homem, com uma só perna, fazia de tudo, furava poço e outros trabalhos que exigiam esforço e ousadia, atividade exaustiva até mesmo para quem possui todos os membros do corpo.

Ouvia-o atento a cada uma de suas palavras. Ofereci que passasse à minha frente, mas ele recusou e preferiu ficar onde estava. Não demorou para que fôssemos atendidos.

— Como o senhor encontra tanta energia para fazer o que faz?

— Minha fé – respondeu.

— Quando você duvida, fica perdido e não sabe que caminho seguir. A fé nos diz o que fazer.

Admirado, agradeci pelo ensinamento, e continuei escutando-o atento.

— Aprendi que quando as coisas estão difíceis, ruins, Deus nos vem ajudar. Ele [Deus] age quando nós verdadeiramente precisamos, nos acode nos momentos em que tudo parece impossível.

Lembrei-me, no ato, das palavras da escritora goiana Cora Coralina: “Quando a situação está ruim, o bom está por perto”.

— Obrigado por suas palavras, parece que Deus marcou um encontro entre nós dois, para que eu recebesse suas palavras simples e reconfortantes.

Coloquei minha mão em seu ombro carinhosamente com afeto e respeito, recuperando um pouco minha esperança no mundo dos homens, pois nem tudo estará perdido enquanto existirem pessoas como esse ser que vive sua própria história e é responsável pelos seus pensamentos e atos.

O tempo de nosso diálogo foi breve, mas deixou marcas profundas em minha mente de aprendiz. Por alguns instantes, sabe-se se lá por que razões, recebi lições de um homem simples, de um filho de Deus que conseguiu superar as limitações do viver pela grandiosidade da fé.

Disse a ele que havia presenciado verdadeiro “milagres” de pessoas cujos braços não passavam de cotos, com os pés defeituosos, mas que criavam pinturas encantadoras usando apenas dois dedos. Assisti a um vídeo em que um homem, ao qual faltava uma parte do cérebro, tocar piano com maestria. E mais, ouvia uma música somente uma vez e era capaz de reproduzi-la, sem faltar uma nota sequer, e crianças tocando em consertos prodigiosos.

A condição humana, em meio a tantas injustiças, oferece demonstrações maravilhosas do quanto podemos ser capazes, desde que tenhamos fé em nós mesmos e não duvidemos disso em momento algum. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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