HOMEM DO CAJADO SAGRADO: “JÁ NÃO ACREDITAM MAIS NAS PALAVRAS”

“As palavras, esse meio de expressão que fez surgir a civilização, perdem cada vez mais seu poder na convivência humana” – disse o Homem do Cajado Sagrado.

“Já não acreditam mais nelas” como pontes fidedignas dos sentimentos e estamos longe dos tempos dos bons costumes em que a palavra dada valia mais do que uma nota promissória.”

— Está coberto de razão, meu velho amigo! E elas nunca foram tão necessárias como nos tempos atuais de tantas incertezas e inseguranças.

— Carlos, tenho visto cenas de desespero como nunca vira antes, devido à decadência da autoestima, falta de vontade e desrespeito pela vida humana.

— Parece haver um grito de socorro travado na garganta das pessoas que buscam como um animal silvestre preso numa gaiola um espaço para escapar em direção à liberdade.

— Será que os indivíduos não percebem que vivem prisioneiros dentro de si mesmos e perdidos em confusão, como se tivessem transformados em robôs?

— Pelo que percebo no cotidiano, acredito que não, meu velho!

— Claro está que existem pessoas que estão conciliadas consigo mesmas e, dentro das possibilidades, vivem uma vida mais calma e serena. Em compensação, uma enorme quantidade delas parece estar vivendo num mundo estranho.

— Você vê? O tempo passa cada vez mais rápido, já estamos perto de mais um fim de ano. E os sonhos e desejos construídos no clima de festas do ano passado que terá sido deles?

— Acho, Homem do Cajado Sagrado, que perdemos os vínculos que restavam com a Natureza, mãe de todos nós, da qual viemos nos afastando há séculos, desde o momento em que os homens se distanciaram de Deus, da Natureza e se consideraram como “medida de todas as coisas”.

— Sim, Carlos, a expressão máxima desse distanciamento, e não sou contrário a isso, é a deusa tecnologia. Se não houvessem os dons recebidos pela inteligência humana, ainda estaríamos acreditando que a Terra é plana, quando que se observa no Cosmos, em nosso sistema solar, tem a forma esférica.

— Na antiguidade remota se acreditava que se um barco seguisse sempre em linha reta, cairia num abismo, pois teria chegado ao fim do mundo.

— Veja como evoluímos, como os novos conhecimentos nos despertaram para uma realidade infinitamente maior, graças ao surgimento da linguagem e da matemática, um tipo peculiar de expressão científica.

— Mas, se de um lado, o processo de civilização nos proporcionou maior conforto e segurança em relação a inúmeras ameaças, de outro passamos a acreditar cada vez menos em nós próprios e nos outros, sobretudo pelo uso falsificado de nossas relações. Desconfiamos de tudo, em princípio, e isso nos inclui como causa e efeito da nossa própria ignorância.

O velho falava sentando em uma pedra, enquanto eu permanecia sentado com as pernas cruzadas no chão, ouvindo-o como um mestre, como Dom Juan provocava Carlos Castañeda, no deserto de Sonora.

— Carlos, preciso seguir adiante, mas gostaria que você publicasse esse nosso diálogo e deixasse uma pergunta no ar aos leitores, ainda que poucos tenham interesse em nos ler, mas sabemos que jamais devemos perder a esperança de que alguém fará isso. E basta que apenas um o faça!

— Ei, como você viveria se não houvessem as palavras? (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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