NEM SEMPRE TUDO ACABA EM PIZZA; ÀS VEZES ACABAM COM A PIZZA

Sobre a mesa era uma obra de arte visual. O molho vermelho do tomate puro, os filés concentricamente distribuídos com esmero estético e o disco no ponto certo e sugerindo equilíbrio entre fogo e massa. O sabor indescritível, no tempero preciso, na quentura exata. Basta! Como poderia descrever aquela sensação extremamente agradável dançando na minha boca e fazendo a alegria das papilas que pareciam comemorar um carnaval? Água na boca só de recordar!

O vinho da casa servido em jarra sinuosa quase até a boca. E descia suave como a pena de um passarinho que se solta em pleno voo. Fazia questão de servir minha companheira, mulher gentil e amorosa, com a delicadeza requerida e ela que me ensinou olhar nos olhos quando se dá o primeiro gole do vinho.

Lá no fundo estava o homem manobrando com perícia e elegância a boca do forno com sua pá de cabo longo. Vestia um avental impecavelmente alvo e um chapelão que se dobrava na ponta. De vez em quando virava para os fregueses sentados nas várias mesas do térreo, porque havia ainda o piso superior, para quem queria namorar, pegar nas mãos, dizer palavras melosas, às vezes um beijo de amante enternecido no rosto da amada.

Primeiro, então, era o espetáculo visual, segundo o perfume gostoso típico e fumegante. O prazer de comer antecipado. O modo como os garçons serviam, todos com longa carreira na casa, a maioria dos clientes já conhecidos pelos nomes. Estávamos num casarão familiar e havia sempre crianças com os pais.

Agora, a primeira garfada e o primeiro pedaço. Huuuummmm! Irresistível! Saboroso. Leve. Crocante. Tudo no ponto certo! Um gole, secar a boca com o guardanapo de linho; outro pedaço e assim por diante. Só um pormenor: o preparador sabia dominar o grande segredo do aliche, um peixinho típico do Mediterrâneo. Lavava filé por filé em água corrente para tirar o excesso de sal, o que poucos fazem, e é o que mantém o sabor carregado até um leve amargo, por puro desconhecimento dessa pequena providência que, além de tudo, não sobrecarrega o corpo de sódio. Uma vez fui cumprimentar o autor daquela obra de arte e ele, paciente e simpático, explicou todos os procedimentos que aprendi e, sempre que posso, tento repassar a outras casas do gênero. Mas poucos ouvem porque está disseminado o hábito de salgar os alimentos, alguns que nem precisariam levar sal, como a carne de frango, que já é naturamente salgada. Mas isso não tem nada a ver com nosso tema principal.

Só resolvi escrever essas linhas porque minha mulher e eu nunca comemos pizza de aliche tão boa quanto aquela. Há algumas casas que chegam perto, mas falham na dessalga, mas não como aquela. Era servida num restaurante-pizzaria situado na região do Ibirapuera, na Rua Abílio Soares, chamado Capuchinho, cujas instalações vieram abaixo para dar lugar a um novo edifício. Se não tivesse acontecido isso, recomendaria para todos os leitores essa rara experiência culinária em meio a milhares de pizzarias que existem em todo canto. E dizem que no Brasil político tudo termina em pizza. Nesse caso, foi o contrário. Acabaram com a melhor pizza de aliche de São Paulo. (C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.