AINDA BEM QUE EXISTEM PAINEIRAS

Meu quintal, aqui em Ibiúna, está coberto por uma camada de “neve” formada pelo algodão da paineira. Hoje, ao olhar para o céu, coisa que faço habitualmente, vi seus alvos botões que se abrem quando a paina literalmente explode em duas partes.

Cada botão carrega uma pequena semente dura e escura que se espalha pelo gramado, oferecendo um adorável espetáculo iluminado pelo sol que voltou forte, depois do frio congelante das duas passagens de massa polar por nossas terras.

Essa imagem me salvou, pelo menos temporariamente, das terríveis imagens trazidas pelo terremoto no Haiti e os cruéis avanços do Taleban no Afeganistão que acabou tomando o poder ao ocupar Cabul à custa de vidas, desespero e pânico, sobretudo em relação às mulheres, adultas e crianças, que se veem ameaçadas pelas rígidas determinações islâmicas.

No aeroporto da capital do País a massa humana que, desesperada, procurou até agarrar-se nos aviões para escapar dos insurgentes, revelou, mais uma vez, o quanto a população pode sofrer os horrores pela derrubada e posse do poder. Alguns, que se agarraram nos braços dos trens de pouso, caíram das alturas para a morte certa.

Muitos querem fugir, pois sabem que ficar é morte certa, se não obedecerem as novas regras impostas ou se estiverem inclusos no índex de inimigos de uma ideologia religiosa ou política radical.

Os Estados Unidos que ocuparam o país por vinte anos decidiram, de forma inoportuna e equivocada, retirar suas tropas do Afeganistão, até mesmo sem considerar advertências ou terem visões distorcidas em relação às consequências de deixar aquele país à própria sorte, com um governo local despreparado para fazer frente aos ataques ferozes dos insurgentes.

Biden, segundo a maioria dos analistas de geopolítica, pisou na bola ao retirar as tropas norte-americanas do país e abandoná-lo à própria sorte depois de investir talvez um trilhão de dólares para manter o controle interno da situação durante vinte anos.

Hoje, então, olhei para o céu e enxerguei os algodões da paineira e me deixei levar pelo seu encanto porque faz dias que me sinto triste e desconfortável ao ver tanto o sofrimento de uma população afegã cuja maioria é agrária e pacífica e os haitianos que nem sequer haviam se recuperado de um terremoto que matou milhares de pessoas e que teve seu presidente assassinado recentemente, se vissem diante de um novo terremoto, em meio à pobreza de um dos países mais carentes do mundo.

Vou olhar de novo a paineira. (Carlos Rossini é editor de vitrine online

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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