MINHA TIA E O DOMINGO DE RAMOS

Hoje é Domingo de Ramos, em que se celebra a entrada de Jesus em Jerusalém, dá-se o reconhecimento de que Jesus é o Filho de Deus. As comunidades costumam levar ramos de palmeiras para comemorar a entrada triunfal, cantando: “Bendito o que vem em nome do Senhor.”

Quando na manhã deste domingo minha mulher lembrou-se que era Domingo de Ramos, um meteoro cruzou a minha mente trazendo-me a lembrança da minha tia, minha segunda mãe, já que não se casou e não teve filho. Ela me tratava como se eu fosse seu filho.

Nas minhas recordações infantis, durante muitos anos, décadas na realidade, minha tia saia logo cedo e ia para a missa com ramalhetes de palmeiras para serem consagradas durante o santo ofício.

Criança não liga muito para esses assuntos de natureza religiosa, mas percebe o que se passa ao seu redor.

Quando voltava da missa toda feliz ia de casa em casa de parentes e vizinhos distribuir pequenos ramos de palmeira como uma missão redentora.

Ao lado de sua cama havia um pequeno criado mudo e sobre ele vários santinhos em imagens tridimensionais ou retratos, além da figura de Jesus Cristo com seu rubro coração no centro do peito. Um rosário também se destacava pendurado no quadro. A vida toda de minha tia foi de alguma forma consagrada á fé cristã.

Eu a vi morrer em cama depois de um processo irreversível que a levou lentamente desta vida. Solteirona, ela sempre morou na casa de minha mãe.

Era uma pessoa adorável e sempre ajudava os outros no que sabia e podia fazer. Talvez tenha sido a primeira repórter da minha família e deva ter influenciado meu ingresso no jornalismo. Ela simplesmente sabia tudo o que acontecia no bairro e sempre nos informava dos acontecimentos. Naquele tempo ali todos se conheciam por nomes e se identificavam por suas casas. Vivi ali talvez os momentos mais incríveis de minha vida como se o mundo fosse eterno.

Lembro-me agora de uma conversa de crianças em que se perguntava: “O mundo vai acabar um dia?” Entre os que achavam isso uma possibilidade e outros que não na verdade o mundo parece eterno para todas as crianças.

Minha tia era muito conhecida, trabalhou como operária por muitos anos até se aposentar. Ela ia às feiras aos domingos e invariavelmente me trazia doces, entre os quais gomas árabes, uma camisa do Corinthians, maçãs lindas e deliciosas como nunca mais vi.

Que bom que a notícia de Domingo de Ramos trouxe de volta a lembrança de minha tia que me tratou como um filho e que bom que eu tenha sido o filho que ela cuidava com carinho, como zelava o seu canteiro de plantas que ficava na lateral do corredor da minha casa. (C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *