SURGIDA NO BRASIL, A FILOSOFIA CLÍNICA É UMA FORMA DE TERAPIA SINGULAR

Que a filosofia originada há 2.500 anos na Grécia marca até a atualidade a cultura ocidental em todos os campos de conhecimento cuja origens nela se encontram é consensual. O que não estava previsto é que um psiquiatra e filósofo brasileiro natural do Rio Grande do Sul daria um mergulho profundo e abrangente nas várias teorias filosóficas e há certa de três décadas, não sem antes viver momentos de extremos desafios cruciais, lançaria o que denominou de filosofia clínica.

Desde então, teve início a formação específica de terapeutas filósofos clínicos que hoje dão atendimento em diversos estados brasileiros e em outros países, presencialmente, em consultórios, e por consultas remotas.

Vitrine online convidou o dr. Miguel Angelo Caruzo, terapeuta filósofo clínico e formador de outros filósofos, para apresentar aos seus leitores essa possibilidade de conhecer algo que pode ajudar muitas pessoas, sobretudo aquelas que vive algum tipo de problema existencial.

Miguel diz sobre si mesmo que é “um incansável buscador que, pelo caminho, procura fazer a diferença na vida das pessoas e isso também é uma busca”.

Natural de Teresópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, tem 38 anos e se dedica em tempo integral à profissão de terapeuta filósofo clínico. Saiba mais sobre ele e, especialmente, o que diz respeito à filosofia clínica.

VITRINE ONLINE – Qual é a sua formação acadêmica?

Miguel Caruzo – Sou bacharel (Faculdade de São Bento/RJ) e licenciado (Universidade Católica de Petrópolis/RJ) em filosofia, pós-graduado em filosofia clínica (Instituto Packter/RS e Faculdades ITECNÉ/PR) com habilitação à clínica (Casa da Filosofia Clínica/RS), mestre (Universidade Federal de Juiz de Fora/MG) e doutor (Universidade Federal de Juiz de Fora/MG) em ciência da religião na área de concentração de filosofia da religião.

VITRINE ONLINE – Quais as obras que você já publicou?

Miguel Caruzo – Sou autor de Introdução à Filosofia Clínica publicado em 2021 pela Editora Vozes. Contribuí com capítulos para três livros de filosofia clínica, dois lançados em São Paulo e um publicado no México. Além de ter capítulo publicado em livro sobre filosofia da religião e, nesta área, artigos em revistas acadêmicas.

VITRINE ONLINE – Onde mora e dá atendimento?

Miguel Caruzo – Moro em Teresópolis e, desde o início da pandemia, atendo somente on-line. Antes, estava atendendo em Teresópolis e em Santa Maria Madalena, ambos no estado fluminense.

VITRINE ONLINE – Qual é a proporção de atendimentos remotos e presenciais?

Antes da pandemia, mais da metade dos atendimentos era presencial. Agora, atendo integralmente on-line.

VITRINE ONLINE – Como a pandemia afetou os atendimentos?

Miguel Caruzo – Quanto iniciou a pandemia, não pude me deslocar de Teresópolis para Santa Maria Madalena, onde ficava a maior parte das pessoas que eu atendia. Quando vieram as medidas restritivas, anunciei os atendimentos on-line a todas as pessoas que atendia no presencial. No início, poucos aderiram. Fiquei com poucas pessoas sendo atendidas nos dois primeiros meses. Mas, aos poucos, alguns resolveram experimentar essa modalidade de atendimento. Também começou a haver mais procura por atendimento vindo de diversas regiões do país.

VITRINE ONLINE – Como a Filosofia Clínica aconteceu em sua vida e quando?

Miguel Caruzo – Em 2009, já bacharel em filosofia pela FSB/RJ e iniciando a licenciatura na UCP/RJ, recebemos pessoas na sala de aula falando sobre a filosofia clínica, até então algo totalmente desconhecido para mim. Li alguns materiais a respeito disponibilizados na internet e fiquei muito interessado pela proposta. Pouco depois, iniciava minha formação em filosofia clínica em paralelo com a licenciatura. A formação começou em Petrópolis e continuou em Juiz de Fora, aonde fui iniciar o mestrado na UFJF. O mesmo professor, Hélio Strassburger, foi meu formador em ambos os lugares. 

VITRINE ONLINE – Há quanto tempo atende como terapeuta filósofo clínico?

MIGUEL CARUSO – Comecei alguns atendimentos em 2011. Não me dedicava integralmente à clínica. Dividia minha atenção com o mestrado e o doutorado. Somente alguns anos depois, passei a me dedicar integralmente ao trabalho como terapeuta e sigo até hoje com atendimentos e formação de novos filósofos clínicos.

VITRINE ONLINE – Por que essa especialidade terapêutica não é muito conhecida no Brasil?

Miguel Caruzo – É próprio da filosofia clínica ser uma formação com inclinação artesanal. Não é possível formar filósofos clínicos em massa. Para compreender a singularidade, a formação é exigente. Ainda que se criem cursos com centenas de alunos, no fim da formação, poucos exerceriam a função. Além dos desafios próprios do ser terapeuta, há ainda alguma resistência por ser uma abordagem brasileira, ser baseada na filosofia (área considerada eminentemente teórica, por muitos) e não seguir os padrões estatísticos, tipológicos e ideais de outras abordagens. Todas têm seu valor, disso não temos dúvidas. A filosofia clínica é uma resposta, entre muitas. Mas, ser um novo paradigma no mundo das terapias, com uma proposta tão emancipatória, gera inquietação, resistência e reprovação até que seja aceita.

VITRINE ONLINE – Onde está presente no Brasil e no mundo?

Miguel Caruzo – Há filósofos clínicos em todo o país e em algumas regiões da América Latina e Europa. Há colegas que foram para outros países e pessoas que estão começando a procurar a formação aqui no Brasil.

VITRINE ONLINE –  Como surgiu a filosofia clínica?

Miguel Caruzo – A filosofia clínica é fruto das inquietações do então jovem Lúcio Packter, recém formado em medicina nos anos 1980, e foi para a Europa inicialmente estudar neurologia e acabou conhecendo propostas terapêuticas baseadas na filosofia. Insatisfeito com o funcionamento dessas abordagens e, ao mesmo tempo, encantado pela proposta, iniciou suas pesquisas. Aliando o estudo das obras filosóficas e o atendimento das pessoas, sistematizou o que mais tarde denominou filosofia clínica.

VITRINE ONLINE – O que é Filosofia Clínica?

Miguel Caruzo – É uma abordagem terapêutica baseada nas contribuições filosóficas em diálogo ininterrupto com a prática de atendimentos e que tem como principal contribuição a consideração da singularidade, isto é, a pessoa por ela mesma, sem qualquer parâmetro externo ou ideal.

VITRINE ONLINE – O que faz um filósofo clínico?

Miguel Caruzo – O filósofo clínico acolhe o partilhante – nome dado a quem procura o trabalho da filosofia clínica – e, por um método que visa compreender a pessoa, busca auxiliá-la em suas questões. Didaticamente, podemos pensar em três etapas: exames categoriais, estrutura de pensamento e submodos. Na primeira, o filósofo ouve o motivo da pessoa buscar a terapia e começa a ouvir sua história de vida. A história de vida é a matéria-prima com o qual o filósofo clínico trabalha. Nela, o terapeuta reconhece as referências de mundo e relações do partilhante, sua constituição, o que chamamos de estrutura de pensamento e, por fim, os meios utilizados por ele para interagir interna e externamente consigo e com seu mundo, o que chamamos de submodos. Após um tempo de escuta, o filósofo clínico encontra as questões a serem trabalhadas e inicia seus procedimentos clínicos.

VITRINE ONLINE – Quanto dura o processo de atendimento?

Miguel Caruzo – Não há um tempo específico para a duração dos atendimentos. Pode-se estimar um período de seis meses a dois anos. Mas, a experiência mostra que a singularidade predomina e há pessoas que fazem uma boa terapia em quatro meses e outras que continuam após três anos a fim de sustentar sua qualidade de vida.

VITRINE ONLINE –  Em geral como se dá a alta aos pacientes?

Miguel Caruzo – Algumas pessoas resolvem deixar a terapia por achar que chegaram onde queriam. Outras, são liberadas pelo terapeuta, após este decidir que a pessoa precisa seguir sem o acompanhamento terapêutico a partir de algum ponto dos trabalhos. Mas, o mais frequente é haver uma alta compartilhada, isto é, quando em comum acordo, ambos concluem que o processo findou.

VITRINE ONLINE – Quais os principais fundamentos da filosofia clínica?

Miguel Caruzo – A filosofia clínica foi sistematizada a partir da fenomenologia, da analítica da linguagem, do estruturalismo, do empirismo e em diversos outros filósofos e correntes de pensamento. Também houve a influência de outras áreas como a antipsiquiatria. Lúcio Packter conseguiu colher e modificar os conteúdos dessas áreas e adaptá-las a um método terapêutico.

VITRINE ONLINE – O que uma pessoa pode esperar da Filosofia Clínica como método terapêutico?

Miguel Caruzo – Assim como não há limite para questões que levam as pessoas ao consultório de um filósofo clínico, também não há restrições quanto ao que é alcançado até a alta. Pode-se dizer que há um cultivo do bem-estar subjetivo, isto é, de um viver bem não mais baseado em um critério ideal ou tipológico, mas baseado no modo de ser de cada pessoa.

VITRINE ONLINE – A Filosofia Clínica conflita com outras abordagens terapêuticas?

Miguel Caruzo – A filosofia clínica tem um método totalmente próprio. Mas, isso não impede que quem procure um filósofo clínico continue seu acompanhamento com um psiquiatra, psicólogo, terapeuta holístico, psicanalista, etc. Como cada caso é único, os acompanhamentos devem ser avaliados. Se estiver tudo bem tanto para o partilhante quanto para o filósofo clínico, mantém-se o diálogo. Se algo começar a gerar conflito, o filósofo clínico pode interromper ou até chegar a um acordo com o partilhante para que este escolha em qual abordagem vai seguir.

VITRINE ONLINE – O que te inspirou a escrever Introdução à Filosofia Clínica?

Miguel Caruzo – Desde o lançamento de Filosofia Clínica: propedêutica, em 1997, por Lúcio Packter, não houve outra obra que intentasse apresentar a filosofia clínica por ela mesma. As produções bibliográficas – e há bastante – tendiam a mostrar a perspectiva de cada filósofo clínico, inclusive tentativas de contribuições para o arcabouço teórico. Por isso, busquei apresentar uma síntese do que é a filosofia clínica por ela mesma, isto é, de modo descritivo, buscando contemplar todas as etapas da clínica filosófica. Além de servir como obra de consulta para filósofos clínicos formados e em formação, queria que fosse um livro acessível ao público abrangente que não era da academia, da filosofia ou de quaisquer terapias. Espero ter conseguido.

Para saber mais:

E-mail: miguelcaruzo@gmail.com

WhatsApp: (21) 9 8670-6746

https://linktr.ee/miguelangelocaruzo

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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