AH!, SE ESSES CÃES FALASSEM…

Inicialmente, apresento essas três criaturas [da esquerda para a direita]: a Estrela, fruto do amor entre uma estupenda rottweiler e um fila brasileiro. Ela é forte, rápida, atenta. Depois vêm a Nati, uma labradora que acaba de ganhar três filhotes negros [um natimorto], engravidada que fora por um vira-latas com gene predominante que, triunfando pela irresistível atração do cio conseguiu evitar todos os obstáculos e se render à magnífica força da natureza. Por fim, aparece Brenda, mãe da Nati, sempre de bom humor e divertida, como são, enfim, os labradores.

Eles estão aí atrás do portão porque esqueci a chave da porteira e, assim, que parei o carro já estavam ali prontos para ajudar e é oportuno dizer que essas três cadelas têm me surpreendido com seus ensinamentos, por meio de seus comportamentos explícitos e espontâneos, bem diferentes dos seres humanos que muitas vezes agem de forma dissimulada.

Percebo como a lei da sobrevivência é forte nos animais. Agora brincam, mas quando é hora da comida é cada um por si. A Nati chega a empurrar a cerca para comer a ração da Preta, sua filhotinha, e não está nem aí que ela passe fome, embora se comporte como mãe e lhe permite mamar a qualquer momento.

Mas as três, na hora da comida, disputam cada migalha na agilidade e astúcia para abocanhar antes que outra o faça. Nati tem uma birra eterna com a Estrela que, por sua vez, muito mais forte, intimida a Nati que ou desmaia ou sofre um ataque epilético, de tanto medo. Ela e a mãe, Brenda, procuram sempre afastar a Estrela da porta da casa, querem privilégio absoluto, com o que não concorda a Estrela. Mas, eis que as três estão brincando como anjos sobre o gramado, o que não é garantia de demonstrarem ferocidade sem prévio aviso.

Bem, percebi que os cães trabalham vinte e quatro horas por dia, tirando pequenos cochilos. Estão sempre de prontidão e aparentam ter uma noção categórica de que devem proteger o ambiente em que vivem. É impressionante como mantêm os mesmos hábitos aconteça o que acontecer. Se ralho com elas e as ponho para ficarem longe da porta, é só virar as costas que estão de volta. Se isso acontecer mil vezes, mil vezes ela repetirão da mesma forma. Elas são mais espertas que os homens. Parecem pensar: “Nada pessoal, nada pessoal.” A Nati é a mais faminta de todas e basta que eu abra a porta da cozinha ela já está ali esperando um pedaço de pão ou seja lá o que for que possa ser engolido, porque nem mastiga tal é sua gula. No café da manhã e no jantar, é a Nati a puxar os latidos: “Comida, comida…”

Na hora da ração é preciso [já foi pior] disciplinar a conduta dos animais. As três ficam superagitadas, sôfregas, como se dissessem “Comida já”. Antes que cada cumbuca é cheia, cabeceiam, balançam os rabos, latem, cada uma quer ser a primeira a receber o alimento, mas, finalmente, aprenderam o comando. “Estrela, Nati, Brenda”, e assim se estabelece certa ordem porque o restaurante precisa de organização para funcionar.

Comida no estômago, se afastam relaxados, mas se houver algum sinal de que algo esteja disponível podem mudar de jeito imediatamente.

Os cães têm uma capacidade olfativa, auditiva e visual muito maior do que os humanos e estabelecem uma parceria tácita com os seus donos. Seus latidos, tanto à noite quando de dia, informam o que está acontecendo e se diferenciam entre si para pessoas que se aproximam, outros animais, cavalos que passam, alguém que grita na rua e, incrível, eles parecem perceber quando estou chegando pela estrada. Talvez por essa capacidade de se conectar com pessoas familiares tenham aparecido no portão, mal tinha parado o carro. Um dia ainda vou escrever o que elas têm me ensinado sobre o comportamento dos seres humanos, diferentes dos animais porque são dotados de razão. (C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.