ELA NÃO RESISTIU AOS EFEITOS DO VENTO E DA CHUVA E MORREU COMO VIVEU: COM ELEGÂNCIA.

Agora há pouco, avisado por minha mulher, fui ao quintal e a vi: uma parte do tronco fincado na terra, mas já sem vida, a maior parte dos galhos e um restinho de folhas tímidas e ressequidas estavam espalhados pelo gramado, aos pedaços. Eis o cadáver de uma árvore que merece ser generosamente louvada. Espalmei seu tronco e lhe disse algumas palavras e, confesso, lágrimas escorreram dos meus olhos, de despedida de um ser simples que sintetiza o enigma da natureza diante de nós, abrindo-nos toda a extensão da verdade suprema que não compreendemos.

Nem lhe sei o nome, mas conheço sua magnifica história até ontem, quando caiu sobre Ibiúna uma chuva fortíssima. Já sem a seiva a alimentá-la há algum tempo, não resistiu, mas até mesmo em seu último ato de existir foi elegante: deixou intacto o poste e a luminária que ficavam exatamente ao seu lado. Caiu sem causar nenhum dano.

Era uma árvore simples, caipira, de uma riqueza esplendorosa. Nunca tinha visto antes uma outra que atraísse tanto os pássaros. Suas sementinhas eram fartas e deveriam ser muito saborosas porque os animaizinhos vinham em quantidade e ficavam fazendo tremer as folhas e os galhos por onde saltavam sem parar. Alguns até se aninharam e formaram família em seus galhos, muitas gerações viveram dela.

Já sabia, pois vi seu processo de desvitalização gradual, que estava morta, mas não conseguiria simplesmente cortá-la a machadadas, não seria digno para um ser que agiu com nobreza durante toda a sua vida. Terá sido melhor assim, a natureza dando conta de seu próprio destino, mas digo, sem constrangimento, amei essa árvore e a reverencio como um ensinamento da mais humilde simplicidade. Não posso falar pelos passarinhos, muitos dos quais se despediram antes, cumprindo seu ciclo de vida, mas acredito que as gerações mais velhas possam estar contando para a nova geração sobre essa planta. “Sabe netinhos, ela era maravilhosa, nunca deixou a gente passar fome, sempre nos recebia de galhos e folhas abertos e farta de sementes.”

Testemunhei muitas vezes o quanto isso fora verdade, de manhã, no meio da tarde de dias ensolarados, ou mesmo depois que, em dias de chuva, esta cedesse, e a festa de pios e movimentos faziam estremecer suas ramagens. Na verdade, quero dizer que nessa árvore todo dia era dia de festa em que todos banqueteavam e não havia diferença entre estes ou aqueles, todos eram tratados com a mesma gentileza e acolhimento. E agora a vejo ali toda feita em pedaços.

As três cadelas testemunharam o momento em que me dirigi a ela e lhe disse palavras de afeto e gratidão e parecem ter entendido e até mesmo compartilhado o ato reverencial, pois ficaram mais agitados e saltitantes. Depois me senti grato e aliviado. Estava diante de uma árvore que deu bons frutos. (C.R.)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.