O PRIMEIRO DIA DO ANO E A BICHARADA NO CÉU

Ao despertar no primeiro dia de 2015 precisei ordenar os pensamentos flutuantes na minha cabeça, antes de levantar da cama. Pensando bem, agora, a sensação que tive foi como se eu fosse uma locomotiva puxando diversos vagões que para bruscamente. O passado arremessou sobre si mesmo, amontoou-se. Fiquei prensado, no presente, entre o passado e o futuro. Sensação desconfortável, mas senti que deveria fazer uma escolha e parti para a primeira ação, a fim de não ser atraído pelo canto das sereias.

Fui ligar a bomba para encher a caixa d’água. No caminho, como o gramado está alto, mais do que sempre porque o cortador de grama anda muito ocupado em outro lugar, uma frase surgiu prontinha na minha mente: “A Natureza absorve tudo.” Assim, de modo espontâneo, brotava a primeira constatação filosófica do ano. Senti-me feliz ao perceber que se tratou de um insight, uma idéia que veio à luz, sem ter influência de qualquer livro, mas de muitos, de uma infinidade deles. E, talvez, de nenhum.

A outra coisa, na verdade a segunda, foi também uma descoberta. Exatamente porque a grama não foi cortada surgiram muitas florzinhas que nunca davam o ar da graça porque eram podadas antes de atingir uma idade adulta. São tão pequeninas quanto variadas e muito bonitinhas, delicadas e coloridas com várias tonalidades. Agora devo ficar pensando que a grama já não deve ser cortada para não prejudicar esses humildes seres naturais?

A terceira coisa, mas não menos importante que as duas anteriores. Deitado na rede. Começa a ventar e uma de minhas paixões é ver a dança dos pinheiros e o som produzido por milhares de agulhas que são as suas folhas. Um chiado agradável, como o de um avião a jato, quando está sublime flutuando sem turbulência alguma sobre as nuvens.

Desse ponto chego naturalmente às nuvens que vejo passar no espaço vazio entre as árvores. Começa a diversão! Um macaquinho engraçado se transforma num coelho; em seguida, a cabeça de um tigre assustador vira o rosto de um palhaço de circo; agora surge o que parece ser um urso comum, mas, na “realidade”, trata-se de um gigantesco urso polar extremamente sério e obstinado no gesto; o rosto de um homem lembra alguém conhecido e se evanesce. É preciso ficar atento no olhar porque tudo que aparece nas nuvens é efêmero, sobretudo quando o vento é mais rápido. Mas hoje, 1º de janeiro de 2015, nas primeiras horas da manhã, a bicharada tomou conta do céu e também apareceram rostos de pessoas, que também são bichos, e a figura imponente de um gigantesco super-herói voador, que desapareceu no nada em segundos.

Ri da graça do espetáculo que as nuvens apresentaram nesta manhã ensolarada, numa hora em que o Brasil inteiro parecia ainda estar sob efeito do sono tardio, depois de uma noite de celebração.

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Carlos Rossini é editor

de vitrine online

 

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.