A VIDENTE, O BRASIL E O CARA QUE FICOU PROCURANDO A HORA DENTRO DE CASA

Um dia estava almoçando no restaurante C’Doro na rua Augusta, em São Paulo, ponto de encontro dos grandes empresários. O restaurante, infelizmente, uma cozinha muito boa, fechou. Ficava no andar térreo do hotel com o mesmo nome. Bem, quem pagava a conta invariavelmente era uma pessoa jurídica. No me. Certa vez entrou uma senhora vestida com elegância e atrás dela vinha um séquito de executivos. Era vidente, guru de muitos figurões da política, como Paulo Maluf, pelo comentário que fizeram em nossa mesa na hora de bons convivas.

Por que me lembro disso agora? É porque nosso querido Brasil está numa situação que precisa de muitas videntes para descobrir o que vem pela proa. Vamos resumir: um manifesto que espera reunir 5 milhões de assinaturas pedindo o impeachement da presidenta Dilma Rousseff está em pleno andamento; domingo, dia 15, espera uma grande manifestação nacional com o mesmo propósito. A economia do país vai mal, o domínio da inflação virou um desafio para gente grande, e os preços pagos pelos consumidores, de meios de transporte aos alimentos estão numa escala ascendente. Quase tudo já foi reetiquetado, assim como as bombas de combustíveis.

Mas é melhor deixar isso para lá. Dirigi, já faz tempo, o departamento de comunicação de uma das maiores agências de propaganda do Brasil. Foi o melhor emprego que tive, confesso. Trabalhavam comigo jornalistas e relações públicas. Entre os jornalistas havia um que era diretor do sindicato da categoria e, por isso, tinha alguns privilégios que ele fazia questão de fazer uso. Era um cara legal e produzia bem nas atividades para as quais era designado. Mas chegava ao trabalho de modo contumaz atrasado. A bem da verdade, quando tinha um compromisso, cumpria.

Como éramos colegas de longa data, procurava contemporizar a situação e nunca tivemos nenhum tipo de atrito. Ao contrário, dávamos muitas gargalhadas juntos. Eram doze pessoas no departamento.

Um dia ele chegou por volta das onze horas. Depois dos cumprimentos iniciais, provoquei:

” E aí, isso são horas de chegar?”

“Pois é”, ele reagiu já esboçando um sorriso.

“Sabe o que é? Eu perdi a hora e resolvi procurá-la por toda a parte da casa. No fogão, nos armários, na geladeira, no banheiro, no guarda-roupa. Estava difícil encontrar. Voltei para o quarto sentei na cama e comecei a refletir sobre onde poderia encontrar a hora. E nada! Aí aproveitei e deite-me de novo na cama para pensar melhor e cochilei. Acordei com a sirene de um carro do Corpo de Bombeiros com suas sirenes abertas. Abri os olhos sem saber o que estava acontecendo. E foi aí que me lembrei que tinha que ir trabalhar.”

“E aqui cheguei. E aqui estou. Pronto para seguir suas ordens chefe!”

Não era mesmo um brincalhão?

“A, chefinho, acabei de lembrar. Tenho que ir para uma reunião no sindicato. Se der, volto lá pelas quatro horas, tudo bem?

“Tudo.”

Bem, um dia ele foi eleito presidente do sindicato e deixou o emprego na agência. Mas querem saber de uma coisa, nunca nosso departamento deixou de realizar suas tarefas a contento, pois trabalhávamos com alegria e liberdade, num clima de saudável descontração que existe numa agência de propaganda, ou que pelo menos existia naquela época. (C.R.)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.