PAIXÃO DE CARNAVAL. VOCÊ JÁ TEVE A SUA? ACONTECE DE REPENTE.

A minha paixão Eunice. Linda! Longos cabelos negros, pele moreno claro, lábios desenhados para atrair. Prazer. Passamos todos os dias de um Carnaval grudados um no outro. Apaixonadamente. No salão lotado, quente, suados, só nós existíamos, perfumados, eróticos. Aconteceu tão de repente quanto fez desaparecer o resto do mundo onde acontecem as coisas comuns do cotidiano. Só existia Eunice e eu me sentia um homem com o coração de transbordante pureza, como se fôssemos Adão e Eva e vivêssemos no Eden.

O amor fica para trás da paixão em intensidade, embora seja mais estável. E paixão tem essa marca registrada de passar como um vendaval que deixa marcas indeléveis na memória. Eunice e eu completamos nossa paixão com felicidade. Durou enquanto teve que durar e foi muito bom. E não sei onde ela está hoje. Mas é sempre assim, a cada novo Carnaval, Eunice se faz lembrar com seu doce perfume, sua pele suada, colada à minha, rosto com rosto, corpo com corpo.

Seria pouco útil usar a moral como referência para falar dessa festa popular. “Festa da carne”, dizem os textos religiosos acusadores da tradição judeu-cristã, que surge como sinônimo de pecado, de devassidão, de um período regido pelo “príncipe das trevas”, que tenta abocanhar almas humanas em massa para seu reinado. O Carnaval é apenas um ritual de liberação, em que trocamos uma fantasia por outra, porque normalmente estamos vivendo dentro de uma redoma ilusória só raramente percebida por poucos.

Ser rei, príncipe, princesa, rainha, gata ou outro animal, ter asas de passarinhos, guirlandas de donzelas, ou rasgar a fantasia e deixar o corpo como a natureza o criou. Adornar e colorir o corpo conferindo-lhe uma segunda natureza provisória. Mas assim deve ser o sonho porque a alegria é uma necessidade primária contra a dureza que é conceber o nosso destino inexorável. O Carnaval é explosão, um vazamento de tensões acumuladas, um rompimento com a tristeza e poderoso impulso de aproximação e de aventura cujo destino é tão variável como todas as coisas que acontecem.

É tempo de fingir, como fingem os atores sendo o que não são. De quebrar regras para abrir o espaço para o prazer, de se permitir e – é lógico há muitos comportamentos extremados movidos a libações e a drogas pesadas e nem os bilhões de preservativos são capazes de garantir uma prevenção contra doenças transmissíveis sexualmente ou uma contracepção segura. Mas isso já começa a recender um prurido moral incabível nesses tempos de pós-modernidade em que os indivíduos, por se sentirem sob intensa pressão diária, decidem sobre o que fazer da própria vida.

Bem, a ressaca é proporcional à profundidade da fusão e dissolução temporária de eus individuais em favor de novas experiências que hibernavam como desejos ocultos e que então encontram a oportunidade para se manifestar, ainda que sejam praticados sob máscaras e fantasias que nos isolam de nós mesmos. O Carnaval, em suma, é uma das muitas ilusões que desde dos tempos dos nossos ancestrais parecem necessárias para manter a vida viva.

Para quem quer ir mais longe na compreensão do que aqui se diz, aí vai uma dica: o Carnaval é uma festa antagonista da ideia de finidade do homem.

Bom Carnaval a todos! (C.J.)

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.