RESPONDAM – SERÁ QUE DOROTY ESTÁ SENTINDO SOLIDÃO?

Escrevi estas linhas agora à noite para Doroty ouvindo “All trough the night”. Já estava deitado, mas sabia de antemão que o sono iria demorar para vir. A música evocou-me sentimento de solidão, não triste, mas como oportunidade de olhar para meu interior com serenidade, em mais uma tentativa de encontrar um eu específico em meio a tantos outros. Foi aí que, subitamente, me lembrei dela e imaginei o quanto poderá estar se sentindo só.

Essa percepção me fez saltar da cama num ímpeto. Peguei um farolete, a câmera fotográfica, e segui para o canil onde ela está vivendo. Os pernilongos aproveitaram para atacar, mas precisava garantir algumas fotos de Doroty e duas delas estão aqui.

Quando ela chegou a casa trazida pelo menino Léo, era do tamanho de uma manga palmer, e parecia uma bolinha com seus pelos longos. Fofinha, não fazia nenhum ruído sequer e nos mirava com seus grandes olhos marrom.  Não houve quem não quisesse pegá-la e acariciá-la. Virou o centro das atenções.

Na semana seguinte recebeu uma casa nova, alta, cercada de arame e coberta com duas telhas onduladas. O piso feito de ripa que hoje está roído. Acho que coelho nunca deverá ser usado como propaganda para dentistas ou sim, porque os publicitários são criativos.  Uma casinha de madeira com direito a uma cortina na porta, completava seu abrigo.

Um tempo depois considerou-se que aquele espaço era pequeno demais para ela que crescera. Bem, no começo, como ninguém soubesse definir a questão, Doroty era chamada de Alfredo, pois se achava que se tratava de um macho, o que o tempo mostrou ter havido um ledo engano quanto ao gênero verdadeiro do animalzinho.

Já faz um tempo, comecei a ser um dos responsáveis para servir suas refeições: ração, água fresca, folhas de couve, escarola, cenoura, mas não alface, disseram que não faz bem aos coelhos. E é exatamente por isso que estabeleci uma relação com um ser que vem levando uma vida solitária.

O único ruído que Doroty emite é uma espécie de “Hu-hu-hu!” Agora,  quando me aproximo, vou gritando “coelhinha, coelhinha…” e ela vem correndo para o portão. Venho no equilíbrio com as duas mãos ocupadas, entro e vamos para seu refúgio. Neste momento, não sei por que, está comendo menos. Talvez porque haja capim abundante na área.

Antes cumpria minha função de modo automático para cumprir a tabela, até que descobri que ela corria para mim para estabelecer um contato. “Hu-hu-hu!” Então toda vez que vou lhe servir a refeição de manhã e à tardinha acaricio e massageio seu corpo de suave pelosidade. Ela parece se sentir feliz e corre de um lado e para o outro, numa velocidade espantosa, como se voasse.

Outra coisa surpreendente. Se estiver chovendo e visto uma capa amarela com capuz, ela leva um susto tão grande quando me vê que chega a saltar mais de um metro para subir no telhado do canil. Quando percebe que se trata do amigo, acalma-se e deixa ser tocada.

Já cogitamos trazer-lhe um companheiro, mas se imaginou que não poderemos garantir os desdobramentos da prole. Coelhos gozam dessa fama com justiça, pois gostam muito de fazer amor.

Doroty entrou para a família, faz parte de nossa pequena tribo, em que se incluem quatro cadelas. Agora, nesta segunda-feira de Carnaval, em que minha mente entrou em ebulição, me respondam: “Será que Doroty está sentindo solidão?” (C.R.)

 

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.