CRÔNICA – AMENDOINS PARA MACACOS E NACOS DE CARNE PARA LEÕES

Amo o circo desde criança e vejo com tristeza que ele esteja em extinção por serem cada vez mais raros os espaços urbanos onde podem apresentar seus espetáculos. Aprendi muito com eles. Via como os adestradores discretamente punham amendoins na boca dos macacos, a fim de que continuassem a obedecer a seus comandos.

Com os leões, os domadores lhes davam nacos de carne, neste caso, provavelmente, tanto para serem obedecidos quanto para preservar sua integridade física durante as exibições.

Essas lembranças me vieram da memória agora há pouco, quando pensava nas incipientes manifestações populares no município de Ibiúna. É claro que a capacidade de sermos racionais nos diferencia dos animais e, por isso mesmo, podemos [até que um dia reagimos] perceber quando somos tratados com desrespeito, subestimados ou ludibriados [por inocência?] pelos políticos que, há gerações, administram nossa cidade.

Na última semana, em contato com o povo de um pequeno bairro, vi o quanto estava determinado a ir até as últimas consequências para ver consertada uma estrada em precaríssima condição de tráfego com milhares de buracos de quebrar suspensão e estourar pneus, além do óbvio fato de ser um caminho cheio de armadilhas e perigos.

Chegaram os munícipes a interromper por quase uma hora uma importante estrada municipal, cansados de serem “enganados” por seguidas promessas não cumpridas. Disseram-me que, se não forem atendidos, voltarão à carga – seja diante do Paço Municipal ou na rodovia Bunjiro Nakao. Conseguiram ser ouvidos pelo prefeito e foi determinada a próxima quarta-feira para uma nova reunião.

Refletindo não apenas sobre este caso mas também em outros similares, percebe-se que os problemas das estradas [em muitas estradas municipais] são generalizados e antigos, da gritante precariedade no sistema público de saúde, da famigerada coleta de lixo, das trevas que tomam conta das noites ibiunenses por degradação da iluminação pública [que desde o dia 1º de janeiro é de responsabilidade da prefeitura], do insatisfatório transporte público, etc., fazem parte de um modo político impessoal e crônico de os governantes se valerem dos problemas como objetos de ocupação mental da população, enquanto ganham tempo indefinido e se valem das benesses do poder.

Pois bem, até mesmo inspirado pelo cenário nacional de manifestações de protesto, mas não só por isso, o povo – mesmo o mais simples conforme observamos na manifestação da semana passada – está [ou parece estar aos olhos do cronista?] despertando de um longo sono. A razão é simples: se mostra cansado de ser enganado e iludido. Na ocasião, uma senhora declarou: “O quê, vereadores? Eles só passam por aqui de avião.” Conclui-se que o povo se mostra, portanto, insatisfeito com os dois poderes: Executivo e Legislativo. A quem isso pode interessar? (C.R.)

 

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.