ANTONINHO ROSSINI ESCREVE – CAFÉS, “PÉROLAS” CRIADAS PELA CRISE

octavio café spOs fortes sinais de que o País encontra-se numa séria e imprevisível crise econômica e política – mais política do que econômica – estão tomando conta do Brasil. Eles podem ser observados por outros indicadores, além dos espantosos índices descendentes das bolsas de valores, contrastando com os assustadores índices ascendentes do valor do dólar. Esses sinais encontram-se na vida diária dos estrelados restaurantes paulistanos, que antes tinham suas mesas reservadas por grupos de executivos e carrões importados, entregues, à entrada, aos cuidadosos manobristas treinados, sempre esperando boas gorjetas ou pagando a “bagatela” de R$ 45,00 pelo serviço de guarda.

Durante almoços ou jantares servidos em grande estilo e regados com bons vinhos, os negócios tinham ritual de festa para esses profissionais cheios de números na cabeça e planos de negócios.  Nos últimos meses, no entanto, dezenas desses restaurantes disputados passaram a operar com baixa frequência e até com mesas vazias. Alguns deles passaram a oferecer vantagens extras, como cortesia da sobremesa ou do cafezinho. Os tempos mudaram. Agora, se substituiu o almoço de negócios pelo “café de negócios”. De segunda à sexta são os estabelecimentos chamados de “cafés” que recebem esses e outros personagens do mundo empresarial. Até os balcões de padarias se adaptaram e deram novo status para os cafés, agora servidos em mesas e com serviço de cardápio para receber esses novos perfis de consumidores. Mas o grande case temático tendo a “rubiácea” como ponto de referência e conceito está se multiplicado pela cidade.

grãoAgora, para se encontrar uma mesa no Santo Grão, da Rua Oscar Freire, nos Jardins, por exemplo, sempre há espera. Sim, porque com apenas um café expresso e uma torta de frutas vermelhas garante-se o uso de wi-fi gratuito e um ponto para reunião para tratar de negócios sem nenhum compromisso com aluguel de escritório, funcionários para pagar no fim do mês, sem mencionar despesas como condomínio e limpeza.

Pode-se afirmar que esses recintos se transformaram em escritórios informais para tratar de pautas e assuntos dos mais variados. Se continuar assim, os edifícios de escritórios inteligentes poderão ser adaptados para outras funções. E olha que essa possibilidade não é remota. Outra vantagem agregada pelos “cafés” é o serviço, sempre cordial dos garçons. Mas não é só nas lojas do Santo Grão que há essa “mordomia”. Ela pode ser encontrada também no Sofá Café, Octávio Café (do político Orestes Quércia, de saudosa memória…), Lavazza Espression, Il Barista, Café Raiz, entre outros.

Esse fenômeno criativo de dar outro sentido aos “cafés”, que durante longos anos se prestavam a encontros de casais e amigos para uma conversa descontraída faz parte dos novos tempos.

O livro Ostra Feliz Não Faz Pérola, do escritor Rubem Alves, dentre outras sábias observações da sua obra, revela que do sofrimento [ou das crises] surgem oportunidades. No caso narrado pelo autor, a pérola é formada nas entranhas de uma ostra, depois que esta sofre as agruras do atrito entre grãos de areia em sua carne. Eis porque, talvez, os cafés e suas guloseimas rápidas se transformaram em “pérolas” e estejam em plena evolução. A crise sem precedente na história brasileira está forçando novas e sofridas mudanças e assim provocando o surgimento de novas “pérolas”. O temor é que não haja mercado comprador para essas “pérolas”, originadas das dores e sofrimento impostos à carne dos brasileiros.

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Antoninho Rossini é jornalista, escritor e consultor em estratégia de comunicação. rossini(@taglineconsultoria.com.br

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.