CARLOS ROSSINI ESCREVE – CRÔNICA DE UMA VIDA ANUNCIADA

OVULOJamais vou esquecer o dia em que a encontrei, linda, atraente, sedutora à minha espera. Foi uma luta de vida ou morte até chegar aonde ela se encontrava. Lembra um pouco os contos de fada em que o príncipe atravessa uma floresta infestada de perigos, para salvar sua amada que, na realidade, é sua outra metade que busca para completar-se.

É como se tivesse que nadar contra a correnteza de um rio de montanha. Via ao meu lado, na frente, atrás muitos outros, talvez milhares, no mesmo rumo e, aparentemente, com o mesmo propósito que o meu.

Tinha uma força de mim que me impelia a seguir em frente, ou melhor, para cima, talvez, depois que chegasse ao meu destino, quem sabe, poderia descansar, como fazem os nadadores maratonistas quando, chegando à praia, deixam-se cair na areia, com a respiração ofegante de uma dura jornada, depois de um esforço supremo imposto ao corpo.

Alguns gritavam, sacudiam, paravam e eram levados correnteza abaixo porque não havia em que se agarrar, como uma fresta ou um galho, para recuperar o fôlego nem que fosse por milésimos de segundo. Quem já enfrentou um furacão, com ventos furiosos, sabe o quanto é difícil manter-se de pé e muito mais dar alguns passos à frente. Sabia, naquele instante, como sei hoje, com mais experiência, que dependia só de mim, impulsionado pelo que aprendi se chamar de élan vital ou instinto.

Havia, no meio de um líquido leitoso e escorregadio, movimentos espasmódicos, tremores, ondulações contínuas como as ondas do mar, ruídos como trovões e raios e eu, que ainda não conhecia o medo, me contorcia com força máxima para ganhar impulsão e, ao mesmo tempo, percebia que galgava cada vez mais altura, já me sentindo profundamente atraído por uma força magnética, como o imã atrai a limalha. Somente mais tarde viria a saber que essa é uma característica da atração recíproca à que dão o nome de amor. Força do amor!

Como Indiana Jones, tinha que desviar-me rapidamente de ondas líquidas que passavam como avalanches em direção à entrada e, que se me atingissem, seria arremessado de volta de onde minha jornada havia iniciado, de modo surpreendente para mim. Eu próprio tinha sido lançado como foguete orgânico em jatos poderosos, num dos quais me vi embarcado.

Sim, era verdade. Mas qual verdade? Tinha uma missão a cumprir. Um propósito que estava além de mim. Em nenhum instante quis desistir, aliás, essa ideia nem existia em minha “mente”, se posso chamar assim o que existia na minha “cabeça”. Sabia-me já um exímio nadador. E sentia que estava cada vez mais próximo do meu destino final.

Percebia ondas de luz, uma vibração prazerosa intensa, como se chegasse a uma festa em que teria um acolhimento indescritivelmente agradável.

Sim, ali estava a fonte da luz, num remanso de paz. Havia ainda uma tarefa essencial: precisava entrar, mas, para meu espanto fui, na verdade, fiz força para entrar, mas também fui sugado para o seu interior e aí me senti envolvido por um turbilhão do mais exuberante amor e tudo o que fiz, nesse momento, foi entregar-me de forma plena e absoluta ao magnífico e natural espetáculo da vida, que dava início a mais uma reprodução de si mesma.

E imaginar que tudo começou na escola, quando eles se viram pela primeira vez e tocou um sininho inaudível dentro do coração de cada um deles. E foi só uma questão de tempo. Eles começaram o namoro, se  casaram. Bem, aí você acaba de ler a história de como você apareceu no mundo. Uma dúvida, no entanto, permanece: onde você estava antes disso tudo acontecer?

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Carlos Rossini é editor de vitrine online e colaborador da TV Ibiúna

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.