A tragédia de Santa Maria entrou em mim como um pesadelo absurdo

Na manhã desde domingo, primeiro recebi a notícia verbalmente, depois fui conferir na TV. Caramba! Centenas de jovens, entre os quais muitos adolescentes, mortos num incêndio em uma casa noturna com o nome de beijo (Kiss) para onde tinham ido divertir-se, cantar e dançar, conviver com seus iguais ou semelhantes a alegria de estarem vivos para o amor.

Que absurdo é esse, de terem a passagem para a fuga do perigo bloqueada (inicialmente) por seguranças que queriam garantir o pagamento das comandas? Que absurdo é esse de haver apenas uma porta para entrar e para sair, obviamente estreita para mais de mil pessoas que se encontravam no interior da boate? Que absurdo é esse de uma faísca que fazia parte da exibição da banda que se apresentava no momento ter-se espalhado como um raio no teto coberto de espuma antirruído? Que absurdo é esse (autoridades) de deixaram funcionar uma casa despreparada para receber tanta gente ao mesmo tempo? Cadê a brigada de bombeiros que deveria estar ali exatamente para prevenir e combater incêndios ou outros episódios que poderiam pôr em risco a vida jovem de tanta gente?

Absurdo dos absurdos, por que essas coisas acontecem, levando a dor, a aflição, o sentimento de perda, de uma só vez, numa cidade que nem sequer poderia imaginar tal acontecimento tão amplo e cruel, ainda que se fosse uma só vida tirada já seria igualmente triste e lamentável?

Lembro-me da notícia de um circo que pegou fogo em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro. Era menino e achei estranho que quinhentas pessoas, entre as quais a maioria crianças, que foram se divertir em um circo pudesse ser tragadas pela lona de cobertura em chamas, da mesma forma expondo como é imponderável e frágil a condição humana.

A televisão noticiou à exaustão até este momento em que dedilho o teclado do computador, repetiu imagens seguidamente, correu atrás de testemunhas, de sobreviventes, um pouco mais do que crianças assustadas, para informar a sociedade. A presidenta da República lacrimejante anunciou ter posto toda a ajuda possível para atender às vítimas e seus familiares. As imagens de voluntários tentando sofregamente retirar corpos do interior incandescente e cheio de fumaça tóxica da casa de espetáculos ou abrir freneticamente buracos na grossa e resistente parede do edifício.

Chora Santa Maria, chora o Brasil e o mundo tocado por um triste acontecimento, classificado como o segundo maior incêndio, pela comparação de vítimas fatais, já ocorrido no Brasil. As informações e as imagens da tragédia entraram em mim como um caleidoscópio em movimento, um pesadelo absurdo. (C.J.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.