CRÔNICA – NO CEMITÉRIO, OS MORTOS NOS ENSINAM O QUE É VIVER
Onde estávamos antes de nascer? Para onde vamos quando morremos? Ambas as dúvidas são irrespondíveis do ponto de vista filosófico ou metafísico, mas do ponto de vista biológico e científico a resposta é facilmente comprovável. Basta ver o que acontece com o nosso corpo e isto vale para todos os integrantes do reino animal. A perspectiva religiosa, por se tratar do território da crença, está fora de cogitação neste breve ensaio, embora vislumbrada com respeitosa reverência.
Toco nesse assunto porque neste domingo, por volta do meio dia, quando milhões de pessoas se preparavam para o almoço, sob um sol impiedoso, estava eu num cemitério, num cortejo fúnebre. Aproveitei para visitar [a palavra soa estranha aqui, mas tem significado profundo] o túmulo dos meus antepassados, incluindo pai e mãe, diante do qual permaneci em silêncio por alguns minutos, com a cabeça cheia de recordações, sobretudo relacionadas com os almoços de domingo, em que toda a família se reunia para saborear deliciosos pratos da cozinha italiana elaborados com o mais sincero amor de mãe.
Entrara antes de o caixão chegar sobre uma maca de ferro e pneus de borracha e fui observando atentamente as mensagens saudosas, as fotografias, as datas de nascimento e morte. Verifiquei que há crianças que vivem apenas efêmeros dias, outros chegam por volta de um centenário de vida e até ultrapassam esse tempo. E que se morre de várias causas, até se engasgando com um pedaço de pão.
Numa rua à esquerda da entrada principal havia o túmulo de uma mulher, lembro-me apenas do sobrenome Expedita, cheio de oferendas, muitas imagens de santos, algumas maiores, de Nossa Senhora Aparecida, e agradecimentos pela graça recebida. Aparentemente, parece se tratar de milagres, curas ou algo do gênero. Mas a maioria absoluta dos túmulos era mais despojada, comunicando apenas o sobrenome das famílias, fotos dos falecidos, mensagens de amor de uma mãe por uma filha, de uma filha para o pai e tantas outras sutilezas da alma humana em tentar superar a ideia da morte por meio de palavras condutoras de sentimentos.
Duas coisas me chamaram a atenção de forma marcante: os vivos que estavam no cortejo e que há pouco ainda velavam o copo do parente e amigo morto e o impacto ululante que o cemitério, que é propriedade dos mortos, possa nos ensinar tanto sobre os vivos.
Como me sentia sereno e receptivo às lições que me iam sendo dadas a mancheias pensei em voz alta: “Minha cabeça literária está em torvelinho neste momento. Miríades de formas fazem-me cotejar a diferença entre ser e estar vivo e a morte, ali presente. Túmulos encimados por anjos protetores, Jesus de braços abertos, vasos de flores tombados por causa da dengue e outras doenças causadas por um simples mosquito.
Minha mente transformara-se num caleidoscópio abrasada pelo calor intenso e, mesmo assim, buscou um remanso filosófico, com a mesma necessidade que fez Dante buscar ajuda no amor de Beatrice e na poesia de Virgílio.
“Por que vivemos de modo tão ignóbil, como se fôssemos eternos, nos tornamos mesquinhos, egoístas, se temos – todos, sem exceção – o mesmo endereço final: debaixo da terra, dentro de gavetas de cimento, ou transformados em pó pela cremação?”
Foi então que pude perceber que o ser humano está perdido entre a malícia e a inocência, pensa e faz muitas bobagens até mesmo sem a menor consciência, e que desconhece a si mesmo e é levado pela correnteza da vida, dominado pela cegueira, que não percebe que podia – vi isso claramente – simplificar tudo vivendo no imenso e poderoso oceano representado por uma pequenina palavra chamada AMOR, que se nutre da vida e, ao mesmo tempo, a mantém saudável com sua força de transformação, liberdade e realização da vida humana. (C.R.)