MINHA AMIGA PASSOU A USAR ÓCULOS COM LENTES COR DE ROSA PARA SE PROTEGER

Talvez para me consolar, uma amiga próxima com quem tenho o hábito de conversar, vez ou outra, sugeriu que eu trocasse as lentes do meus óculos para enxergar a realidade de modo diferente.

“É bom que faça isso, como eu fiz, antes que seu estresse aumente ainda mais. Agora vivo bem e tranquila e nada me tira do meu estado natural de ser. Vejo tudo cor de rosa.”

A verdade é que ela vinha cortando um doze, tal sua insatisfação e incredulidade com o que via. “Cheguei a ficar cinco dias sem dormir e isso ninguém merece, não é, meu bem! Além disso meu estômago começou a arder além da conta. Aí pensei: é hora de dar um basta!”

No transcorrer de nossas conversas, ela me relatava fatos que testemunhava diretamente ou vinha ao seu conhecimento por meio de terceiros. “No começo, tinha muitas dúvidas e não acreditava que tudo aquilo acontecesse realmente. Achei que fosse intriga da oposição, má-fé ou mesmo mentiras.”

Eu mesmo observava coisas que me causavam estranheza, mas, nós seres humanos, tendemos a demorar para perceber os fatos tais como eles são. Afinal, há pessoas que desenvolvem habilidades mistificadoras, procurando agir com truques, como fazem os mágicos nos circos.

Ser iludido uma, duas vezes, até pode ser aceitável, porque se adaptar a isso exige um grande esforço para alterar certos padrões impostos pela educação ética e moral que vêm do berço. Talvez nem mesmo isso seja possível, daí a ideia de minha amiga: em vez de trocar de personalidade, resolveu trocar os óculos pela cor de rosa. Como se sentiu mais confortável assim, sugeriu que eu fizesse o mesmo.

“Fiquei ‘curada’ apenas trocando a cor das lentes dos meus óculos e agora consigo viver – cinicamente correta, ainda que ceticamente – mas tive ganhos importantes: minha pressão arterial voltou a ser 12 x 8; meu estômago parou de doer; meu fígado se desopilou; até minha pele melhorou sem que fosse preciso fazer tratamento de beleza; além disso, e talvez seja o mais importante, minha família também ficou contente com o meu novo modo de ser.”

Feliz por ver minha amiga melhor, pois há algum tempo vinha me preocupando com ela – nem sempre a pessoa percebe si mesma e de tal modo consciente que possa fazer um autodiagóstico de que está doente, sobretudo quando se instala um quadro depressivo que provoca sonolência, fraqueza e afastamento da realidade.

Às vezes grande parte da população de uma cidade vive assim num estado doentio sem perceber e vai levando a vida aos trancos e barrancos sem reagir a tempo de evitar a “sofrência” de enfermidades psíquicas e/ou físicas, porque ambas se influenciam reciprocamente.

Por tudo isso e considerando válida a sugestão de minha querida amiga, estou marcando uma consulta com o oftalmologista, já de antemão considerando seriamente a possibilidade de adquirir um par de lentes cor de rosa. (Carlos Rossini)

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *