UMA LIÇÃO DA HORA – POR QUE NÃO DEVEMOS FAZER MAL A NINGUÉM

As histórias que nos contam desde que somos crianças não são exatamente as nossas próprias histórias, mas as daqueles que nos contaram. Então, sem perceber esse equívoco, nos tornamos aquilo que nós não somos, mas aquilo que disseram a nosso respeito. Isso significa um imenso obstáculo para sabermos quem, efetivamente, somos nós. Porque nos identificamos com modelos externos a nossa singularidade natural.

Há teorias que sustentam coerentemente a necessidade de os indivíduos renascerem para serem, afinal, eles mesmos. Isso pode significar uma busca que somente pessoas afortunadas conseguem perceber, muitas vezes com ajuda de profissionais especializados na psicologia humana. O hábito de repetir o que nos inculcaram é tão poderoso que poucos chegam a perceber que o que de mais importante poderiam fazer com suas vidas seria exatamente encontrar sua própria e autêntica identidade.

Quem presta atenção no comportamento humano pode perceber com facilidade os reflexos dessa contradição que a pessoa porta dentro de si de ser dois seres psíquicos em uma unidade física. Se sinto perturbações, pesadelos, perco o sono ou busco maneiras de aplacar situações de persistentes desconfortos – nas drogas, nos tratamentos psiquiátricos e psicoterápicos, nas bebidas, em crenças que se instalam dentro de nós e às quais nos alienamos, etc., isso mostra o quanto é dolorido nosso desassossego.

Exatamente para fugirmos desses cruéis sentimentos de desconforto mental tendemos a evitar, ao máximo, tudo aquilo que possa nos remeter à situação de conflitos internos. Entendo que esse é um dos motivos pelos quais a população aprecia fatos concretos e visíveis, aparentemente mais compreensíveis, do que formas abstratas e também uma das causas de se evitarem textos que requerem capacidade de abstração, que é lidar com sentimentos, sensações, pensamentos.

Um outro jeito de falar a mesma coisa é dizer que nossa mente não “é algo único, singular ou unificado…ela é diversa, múltipla e dividida”, como defende o analista James Hollis, em trecho do seu livro A Sombra Interior – Por que pessoas boas fazem coisas ruins? Temos que considerar que esse título é apropriadamente sugestivo. Traduzindo: muitas das coisas que pensamos e fazemos, para o bem ou para o mal, partem do nosso inconsciente, ou seja, daquilo que não percebemos em nós mesmos porque estão escondidas dentro de nós.

Jamais podemos subestimar essa poderosa força capaz de nos tornar pessoas ruins e o resultado é um somatório de violências e agressividades, destruição e maldades que marca o cenário humano como um verdadeiro inferno, aqui mesmo na Terra, porque não há outro inferno em lugar algum.

Assim, e para não encompridar muito esta história, deixamos um pontinho de luz que muito pode nos ensinar, extraído do livro aqui mencionado: “Eu não roubaria alguém [ou faria qualquer tipo de mal aos outros] porque existe um Deus vingativo esperando para me punir, mas porque não gostaria de viver num mundo em que ninguém pode confiar na conduta do outro.” Como se vê temos muito que aprender e parece que isso somente acontecerá se nos libertarmos da complexa prisão interna em que somos, simultaneamente, presos e carcereiros de nós mesmos. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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