MUSEU NACIONAL – CRÔNICA DE UM INCÊNDIO ANUNCIADO
Um somatório de fatores compõe o cenário no qual está imerso o lamentável incêndio que destruiu o bicentenário e valiosíssimo Museu Nacional do Rio de Janeiro, localizado na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, na noite deste domingo (2), a menos que tenha sido um fato criminoso a ser objeto de investigação policial.
De cara podemos evocar a negligência, a incompetência e a irresponsabilidade das autoridades brasileiras em todos os escalões e nos Três Poderes, mas antes de listar a sincronicidade de fatores, lembremos que o cuidado com a memória histórica nacional é generalizadamente motivo de vergonha.
Talvez possamos avivar nossa memória tentando estabelecer uma comparação com o incêndio ocorrido talvez em 686 d.C, que destruiu a Biblioteca de Alexandria, no Egito, junto ao mar Mediterrâneo, e reavivar a lição de um filósofo pré-socrático, Heráclito, considerado “pai da dialética”.
Pois a Biblioteca de Alexandria, construída no século 283 a.C., foi uma das mais célebres bibliotecas da História e um dos maiores centros do saber da Antiguidade. Surgiu no período helenístico (grego), tendo como objetivo refletir os valores de sua época, ou seja, de apoio e difusão do saber clássico grego para o Oriente.
Seus papiros [talvez 700 mil volumes], livros, pinturas e peças arqueológicas foram finalmente destruídos pelas chamas, depois de muitas investidas e até incêndios menores destinados a dar-lhe um fim.
Antes disso, o filósofo Heráclito havia, ao explicar um dos elementos constitutivos da Natureza, o fogo [os demais defendidos por outros filósofos pré-socráticos, era o ar, a água e a terra], dizia que esse era o elemento primordial, por representar a transformação [ou mudança] de tudo. Sustentava que a existência era um eterno fluir, como um rio.
Se levassem a sério a dica do filósofo, as autoridades brasileiras poderiam prevenir fatos destrutivos, como o incêndio que roubou grande parte da memória brasileira. O Museu Nacional do Rio de Janeiro, entre inúmeras peças da história natural, possuía uma das maiores bibliotecas especializada em ciências naturais do Brasil, com mais de 430 mil obras, sendo 2.400 raras. Os três andares do museu foram arrasados pelo fogo.
O Museu Nacional do Rio de Janeiro poderia ser comparado à Biblioteca de Alexandria, por sua relevância em tempos modernos. Ambos foram transformados em cinzas pelo fogo.
FATORES
Agora vamos aos fatores que, entendemos sejam típicos de uma cultura política inconsequente.
A imprensa brasileiras e mundial vêm fazendo relatos que provam a crônica falência da administração pública no Brasil em todos os níveis.
O famigerado Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, pelo menos no governo petista, gastou bilhões de reais com investimentos [talvez a fundo perdido] na Venezuela, em Cuba, em países africanos, para citar três casos, mas não liberou uma verba de R$ 21 milhões, cujo contrato foi assinado em junho último, quando o museu completou 200 anos. A verba seria para a reforma do museu.
Suas instalações sabidamente já estavam precárias, sendo que muitas salas estavam interditadas por diversos motivos e para a segurança dos visitantes. Uma estrutura projetada, com uso maciço de madeira, há 200 anos, não previa e tampouco estava adequada para evitar a catástrofe acontecida. Um perito em segurança, chegou a dizer que não possuía alvará para funcionamento havia pelo menos dez anos e que tampouco contava com tecnologia moderna de combate a incêndios.
Ainda segundo dados noticiados, os hidrantes da região não dispunham de água, motivo pelo qual os bombeiros tiveram que contar apenas com carros-pipa para dar combate ao fogo.
LAMENTO MUNDIAL
Não só os brasileiros ficaram tristes com o acontecimento. O incêndio do Museu se irradiou por todo o mundo. E não é para menos. Ele guardava a história da colonização portuguesa, a formação da República e a antropologia da América, embora fizessem parte do seu patrimônio peças e obras de várias partes do mundo, como o Egito.
Se a enorme construção servira a um traficante de escravos, aí já está um fato digno de valor histórico por que o Brasil jamais poderá ignorar o papel do negro em sua evolução e sua presença em nossa cultura, que a partir de agora deixa de existir pelo menos documentalmente.
Seu primeiro nome foi Museu Real, depois de servir de residência para a família real, entre 1808, quando fugindo de Portugal veio se refugiar aqui, até 1821.
Como se vê, tanto sua construção quanto seu conteúdo sofreram danos de grandes proporções. Até mesmo a água para aplacar o fogo é tida como inimiga dos livros.
Noticiários de hoje dão conta de que autoridades federais fizeram notas lamentando o ocorrido, só que se esqueceram de que é preciso ter cuidado com o fogo, tanto o real, como elemento primordial da natureza, quanto o metafórico. O Brasil oficial segue mais perdido do que barata tonta! (Carlos Rossini é editor de vitrine online – hoje escrevendo de Santos –SP)