UM MORADOR DE IBIÚNA APANHOU POR CAUSA DE UM PRECONCEITO VINDO DA IDADE MÉDIA?

Que relação pode haver entre a Idade Média e um microempreendedor que mora e trabalha em um bairro do município de Ibiúna? Fiz essa pergunta para mim mesmo hoje (8), depois de ouvir histórias desse homem, enquanto ele fazia um conserto em meu carro. O serviço ficou pronto em pouco mais de duas horas.

A certa altura percebi que ele usava a mão esquerda para realizar as principais tarefas. Você é canhoto? – perguntei. Veja o que fiquei sabendo. Ele nasceu com maior habilidade na mão esquerda e esse foi o motivo de muita angústia para ele quando criança e adolescente.

Ele apanhava do pai que queria que queria que ele usasse a mão direita e não a esquerda. Chegou mesmo a amarrar a mão esquerda do filho para forçá-lo a usar a mão direita, feito que jamais conseguiu. Mais tarde quis obrigar o filho a trabalhar numa indústria e não na atividade que ele exerce com maestria há 36 anos. Gostei do trabalho feito!

Agora vamos para a Idade Média que é o período histórico da Europa que foi do século V (anos 400) ao XV (anos 1400). Durou mil anos! Foi uma época de pouco desenvolvimento cultural que foi denominado Idade das Trevas. Nesse longo tempo, a Igreja Católica controlava o conhecimento e a expressividade com mão de ferro.

Estudos apontam que apenas 10% da população mundial é canhota. Como todos considerados diferentes, num mundo em que 90% são destros, isto é, usam a mão direita para escrever, se alimentar e realizar as tarefas, os canhotos foram vítimas de preconceitos e de atos cruéis. Em latim, a palavra sinister originalmente significava “uma pessoa de sorte”. No entanto, nos idiomas francês, espanhol e italiano a palavra canhoto passou a ter um significado pejorativo.

Mas as línguas francesa, espanhola e italiana aplicaram à palavra canhoto um significado pejorativo: esquerda, em italiano, é “sinistra”, em francês “gauche” (esquerdo) pode aplicar-se também a algo incorreto ou desajeitado, no sentido idêntico ao da palavra portuguesa “canhestro”, que é sinônimo de canhoto. Ou seja, até a palavra canhoto é sinônimo de algo desajeitado, errado.

Por outro lado, “destro”, referente à mão direita, quer dizer habilidoso, correto. Na Idade Média, os canhotos – sobretudo as canhotas – sofreram perseguição implacável. Pobre das mulheres canhotas, que eram acusadas de bruxaria. Textos religiosos antigos consideravam o lado esquerdo como pecado, enquanto “os justos se assentam à direita de Deus”, os ímpios (do lado esquerdo) sendo passíveis da “danação eterna”.

Ainda na Idade Média, acreditava-se que se uma pessoa tinha dominância pela mão direita, ela era saudável e abençoada, enquanto os que preferiam a mão esquerda eram criatura demoníacas e perversas.

Escrever com a mão esquerda era considerado um erro que devia ser consertado o mais rápido possível. Os canhotos eram reprimidos. Levavam chicotadas, cintadas e tapas nessa mão e forçados a aprender a ser virar com a mão direita.

Mesmo na modernidade, os pais e as instituições de ensino pressionavam as crianças para usarem a mão direita em vez da esquerda, o que gerava um sério dano à habilidade motora da criança. Além disso, os artefatos foram criados para serem manuseados com a mão direita, como tesouras, cadeiras, réguas, cadernos, veículos, abridor de latas, violão, violino, mouses, instrumentos musicais e até mesmo armamentos.

Felizmente, com a queda gradativa da ignorância, hoje existem empresas que se dedicam a proporcionar produtos para os canhotos.

Além disso, muitos famosos eram exatamente canhotos, como Aristóteles, Isaac Newton, Charles Darwin, Marie Curie, Albert Einstein, Bill Gates, Alexandre o Grande, Joana d”Arc, Mahatma Ghandi, Winston Churchill, Adolf Hitler, Simón Bolívar, Napoleão Bonaparte, Leonardo Da Vinci, Michelangelo, Pablo Picasso, Charles Chaplin, Mozart, Beethoven, Mark Twain, Lewis Carroll, Pelé, Maradona, Messi, Tom Cruise, Ayrton Senna, Fátima Bernardes, Angelina Jolie, Barack Obama, Bill Clinton, Jimi Hendrix e tantos outros.

As pessoas que têm habilidade nas duas mãos são ambidestras, isto é, são hábeis com as duas mãos. (C.R.)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *