BREVE ENSAIO SOBRE A BUSCA DE DEUS EM UM MUNDO DELIRANTE
Desde menino, quando acompanhava meus pais na igreja para assistir às missas, estranhava o longo e cansativo ritual da celebração religiosa. Os sacerdotes usavam o Latim para fazer a ponte entre os fiéis e o Sagrado. Apreciava, no entanto, o momento em que o padre balançava o turíbulo, preso por três correntes, e espalhava densos rolos de fumaça do incenso no altar. Parecia-me uma coisa mágica, misteriosa, como as coisas invisíveis.
As mulheres, nem todas, usavam véus sobre a cabeça, respondiam em coro as orações. Depois que a hóstia era consagrada e o oficiante secava uma taça dourada em que acabara de beber pequena dose de vinho, elas, assim como alguns homens, faziam uma fila para receber a partícula, uma bolachinha branca feita de farinha e água. Era um momento de máxima compenetração, enquanto o alimento divino se derretia na boca, não podia ser mordida.
A única música exibida vinha de um órgão situado no alto de um mezanino, logo acima da entrada do templo. Via minha mãe rezar, meu pai fazia sua prece de modo mais discreto. Eu ficava ali, às vezes, com os joelhos doloridos de se apoiarem no genuflexório de madeira dura.
Como somente teria noção de Latim no curso ginasial, bem mais tarde, não conseguia entender quando o sacerdote pronunciava Dominus vobiscum [“O Senhor esteja convosco”], cujo responso, é: Et cum spiritu tuo (“E com o teu espírito”].
O Concílio Vaticano II, conferência realizada entre 1962 e 1965, visando modernizar a Igreja e atrair católicos que haviam se afastado, definiu diversas novas posturas, uma delas liberou que as missas passassem a ser rezadas nas línguas de cada País. A partir daí, praticantes leigos também passariam a ajudar nas celebrações.
Bem, as minhas primeiras experiências em relação ao Sagrado despertou em mim um desejo de procurar por respostas que se mostrassem verdadeiras e convincentes, razão por que deixei de ir aos templos. Descobri, nessa jornada, que Deus se faz presente em todo o Universo, mesmo na mais singela das flores.
Li O Livro das Religiões, entre tantas outras obras referentes à crença ou descrença religiosa, e hoje cedo, quando despertei, tentando encontrar um alívio em minha alma, compreendi que Deus é um estado de absoluta harmonia, estabilidade e unificação. Ou seja: ele é tudo aquilo que falta aos homens, sujeitos ao mundo relativo, instável, fragmentado, perigoso e mortal.
O sentido da religião ou a promessa que faz aos homens medrosos e inseguros é exatamente religar o Homem a Deus por meios rituais, preces, orações, meditações, cantos, mantras. Deus é a vida perfeita que falta aos homens e, assim, ele é como uma luz que jamais se apaga, como um farol que guia os navios contra os perigos dos mares.
Nesse sentido, percebi que nossa relação com o Divino é uma jornada individual, um ato de heroísmo solitário, que independe de estarmos dentro ou fora de uma religião institucionalizada. O verdadeiro encontro com Deus somente pode se dar dentro dos indivíduos, naquilo que podemos chamar de alma, essência ou mente.
Isto não significa necessariamente um estado de isolamento completo como faziam os Padres do Deserto porque não podemos negar a nossa condição de termos uma vida interdependente no meio social em que vivemos.
Quem está bem resolvido em relação ao Sagrado em seu íntimo tende a estabelecer relações harmoniosas, fraternas, estáveis com o próximo.
E esse parece ser o maior dos desafios que os homens enfrentam nesses tempos em que o mundo se mostra um lugar terrivelmente inseguro, talvez porque se distanciou demasiadamente da presença do Sagrado nas relações humanas.
A perda da fé e a sensação da vacuidade futura corrompe de modo acelerado nosso sentido de Humanidade. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)