OS ANIMAIS IRRACIONAIS SÃO MELHORES DO QUE SONHA A NOSSA VÃ IGNORÂNCIA
Seres invisíveis andam pelas ruas de Ibiúna, voejam pelo céu, entram e saem das casas como bem entendem, ouvem tudo, sabem tudo o que acontece na vida das pessoas de carne e osso. Conhecem até mesmo seus sonhos noturnos, desejos, intimidades, frustrações . Vêm aqueles que não conseguem dormir atormentados por pensamentos ou pulsões inevitáveis de mentes agitadas, inquietas, e vão até o coração, onde residem os sentimentos mais profundos.
Lá pelos lados do bairro da Cachoeira um grupo de cães, fêmeas e machos, em pleno cio amanhece latindo sem parar, mas há tons aparentes de dor e sofrimento, como se estivessem chorando, gritando de dor. Isso dura muito tempo. É preciso ver o que acontece. Então a surpresa!
Todos, dos pequeninos aos maiores, estão em torno de um dos cães, talvez uma cadela, morta na beira da estrada, com um profundo ferimento no pescoço. Aquilo não era sinal de atropelamento e sim de um ataque na jugular da pobre criatura. E os bichinhos ali, clamando com seus tristes latidos para que o animal caído se levantasse ou acordasse. Isso aconteceu agora, na sexta-feira, numa pequena sociedade chamada matilha que, mais tarde, se desvaneceu. Ali perto, outro dia mais de quarenta quatis atravessaram a pista de um lado a outro, num espetáculo inesquecível. Um deles, no entanto, foi atingindo em cheio por um carro que trafegava em velocidade incompatível com uma estradinha estreitada ainda mais pela vegetação.
Para ali também acorreram esses entes invisíveis que estão muito além de nossa ignorância habitual e registraram a cena. Talvez estejam contabilizando as besteiras produzidas pela cegueira dos humanos que, em sua soberba ignóbil, se acha melhor do que os animais. Duvido que tivesse algum ali preocupado com as joias da viúva ou com o dinheiro doviúvo, ou aproveitando o tempo da morte para fofocar sobre a miséria que nos torna vulgares, preocupados exageradamente com a beleza e o dinheiro.
Talvez por isso eu tenha recebido de um jovem uma crônica futurista em que os alienígenas, quando tomarem finalmente a Terra, verão quão mesquinhos e arrogantes eram os poderosos de todos os escalões. Como, afinal, estávamos imersos num grande oceano, hipnotizados, constritos, passivos. Quanto éramos hipócritas e venais e egoístas em relação à família humana. Buscar um lugar no mundo, afinal, é o mesmo que ir em busca do tempo perdido. (C.R.)