HOMEM DO CAJADO SAGRADO APARECE E FALA DA CONDIÇÃO HUMANA
Hoje o Homem do Cajado Sagrado veio me visitar. Andava no quintal de casa, em Ibiúna, e observava o quanto as árvores cresceram nos últimos anos, todas elas, tirante aquelas que, no mesmo período morreram, incluindo duas mexeriqueiras, pés de laranjas lima e bahia, cerejeiras, além de espécimes da mata nativa. Havia tantos pés de erva cidreira que desapareceram simplesmente.
Estava tão entretido…de repente surge diante de mim o Homem do Cajado Sagrado.
— Epa! Você me assustou!
— Ainda não se acostumou comigo…posso aparecer a qualquer momento, sempre que percebo algo que merece ser dito para você, única testemunha da minha existência. Gosto de sua maneira de me ouvir e também do fato de você ser minha ponte com as outras pessoas. Além disso, aprecio o que você escreve, ainda que poucos estão habituados a ler…. Muitos não vão além do título. Ah! Ah! Ah!
— Está de bom humor!
— Sim. Mas vim para falar desse povo, dos seus sonhos, desejos, frustrações, medos e de um desespero silencioso que percebo só de olhar seus olhos e o jeito como tocam a vida.
— Há situações que muito me entristecem. Tenho visto gente disputando com cachorros o lixo que transborda de caçambas ou se espalham pelas estradas. Pegam latas de alumínio, caixas de papelão, embalagens plásticas para fazer uns trocados e, sabia?, sobrevivem nessa condição miserável!
— Fale-me sobre os sonhos do povo.
— Tenho visto muitos, todas as madrugadas. E, sabe o que sinto? Compaixão, compaixão e mais compaixão. Alguns sonhos são terrivelmente doloridos que parecem refletir o sofrimento dificuldades reais do cotidiano: desemprego, dívidas, desamparo, insegurança. Fora tudo aquilo que é causado pela inépcia e incompetência das autoridades que vivem tão distante da população como os párias na sociedade indiana. Vivem à própria sorte desvalidos.
— Carlos, sei o quanto você é sensível em relação às causas sociais e o que sente ao ver pedintes envergonhados pedindo algumas moedas nas ruas, nos estacionamentos e mesmo dentro dos supermercados.
— É uma desumanidade, Homem do Cajado Sagrado! As pessoas, há exceção é claro, cuidam apenas de si mesmas e das próprias satisfações e desejos, como se a miserabilidade fosse uma doença contagiosa.
— Por favor, diga alguma coisa menos pesada! Também tenho meus sonhos… Há alguma coisa que você poderia ensinar para elas?
— Poderia responder, não! Mas, não acho justo com você e seus leitores. Acredito, assim como você consegue conversar com as árvores e ouvir seu silêncio eloquente e se sentir feliz nesses momentos, por mais sofrida a vida dessas pessoas, elas podem ser alegres nos limites do ambiente em que vivem.
— Como assim?
— Se você viver uma vida simples, despojada de ambições inatingíveis, poderá sentir o prazer na comida simples, como ovo, arroz e feião, saborear uma mexerica como se fosse um brinde dos deuses e contemplar as estrelas e atingi-las com seu amor diante do grande mistério…poderá experimentar um bem-estar que não depende de nada, só dos seu jeito de ver o mundo.
— Boa, gostei, Homem do Cajado Sagrado. Isso é tão simples e acessível como o ar que respiramos. Afinal, o que é mais vital que o oxigênio para nossa existência?
— Vida simples, é isso, que você recomenda?
— Vida simples, longe da loucura contagiosa que nos torna insatisfeitos crônicos, desesperados, escravos dos outros e das regras que nos impõem por desejos de conquistar as coisas a qualquer preço. Lembra-se do Doutor Fausto que, desiludido, fez um pacto com o Demônio para conseguir tudo o que queria, ao preço de sua alma?
— Acredita que as pessoas vivem iludidas e confusas em meio à barafunda da vida social desequilibrada e que, por isso, estão perdidas no mundo?
— Sim, é muito provável! Basta observar como, de um jeito e outro, se destroem continuamente mesmo sem perceber que isso acontece a todo instante. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)