MANIFESTAÇÕES DE JUNHO – OS SINAIS OCULTOS DE UM PROCESSO DE EXAUSTÃO SOCIAL
As manifestações de rua de junho eclodiram e se espalharam pelo país afora como um fato histórico de clara demonstração da vontade política do povo brasileiro. As autoridades federais, estaduais e municipais foram pegas de surpresa, se mostraram atônitas e reagiram como puderam para impedir o prosseguimento e a ampliação desse fenômeno potencialmente capaz de levar a uma grave situação de governabilidade.
Ficou patente que – apesar da carona forçada nas ondas humanas que ocuparam as ruas por oportunistas radicais, incluindo bandidos, assaltantes, golpistas, fundamentalistas, diversionistas, conspiradores insanos, aliados às infelizes atitudes de violência policial – a maioria se movimentou de modo consciente, pacífico e democrático.
Se na proa dos cortejos se exibiam faixas e cartazes pedindo redução nas tarifas de transportes públicos, no que se obteve uma vitória parcial, outros temas fundamentais da pauta de reivindicações pontificavam a miséria dos serviços de saúde, de educação, a corrupção, a insegurança pública, etc., e continuam de pé como temas manifestatórios.
A ridicularia de gastos de bilhões de reais para a construção de estádios de futebol modernosos, enquanto as pessoas morrem nas filas dos hospitais e postos de saúde sem receberem atendimento, mereceu, por parte da população, a devida correlação de fatos. Ninguém é contra estádios de futebol e tampouco de práticas esportivas que são atividades saudáveis. O desejo do brasileiro no ambiente familiar e social é ter uma vida digna: comida, remédio, atendimento médico, educação, segurança, emprego, etc.
Com a antevisão das eleições no próximo ano, o governo federal busca reverter o quadro. Promessa de contratação de médicos em massa focalizando os do Exterior [os médicos repelem a ideia e vão às ruas também: o problema não é a falta de médicos e sim de estrutura e recursos para o bom exercício da medicina], realização um plebiscito, reforma política, entre outros. É importante tomar uma distância e sair do campo hipnótico da frenética e complexa produção de informações para alimentar a mídia e tentar serenar a mente das pessoas.
As manifestações de junho têm um sentido mais profundo, intuitivo, gerado numa longa e paciente espera de dias melhores, do cumprimento de promessas feitas por políticos e esquecidas depois da posse, dos planos grandiosos e espetaculares, a exaustão provocada pela corrupção dos mensalões e de outras traquinagens de gente grande, com a cara recoberta de verniz. Com a devida licença poética, o povo está cheio, enojado, perdeu a paciência.
Em resumo, o grande sentido simbólico dessas manifestações aponta diretamente para a falta de credibilidade popular nas principais instituições públicas nos três poderes, nos hospitais, nas escolas, nas organizações militares, no sistema de policiamento em todo o País. Aí se incluem as negociatas comemoradas com champanhe francês, na França, nos jantares regados a vinhos de safras valorizadas e reservadas, nos lucros fabulosos dos bancos, na violência que grassa e derrete as últimas fibras da liberdade de ir e vir [um direito constitucional palmar], nos sucessivos e vergonhosos escândalos, nos acertos feitos pelo governo com o sistema legislativo para garantir apoio, no loteamento político da máquina administrativa e, especialmente, na falta de esperança, perdida a cada dia por falta de uma boa e genuína notícia a favor do povo.
As relações do governo com a sociedade civil são pautadas em padrões institucionalizados incapazes de se aproximarem dos cidadãos de carne e osso que constituem a nação brasileira e que se espalham pelos mais de oito milhões de quilômetros quadrados do território nacional. O governo não vê pessoas, vê número, vê análise, vê tendência e, assim, se desumaniza, se gabinetiza, se burocratiza e fica cada vez mais distante do mundo real que é o somatório de todos os cento e noventa milhões de brasileiros.
Aparentemente, um importante sinal foi lançado no ar e pôde-se perceber sua existência sob as cinzas deixadas para trás. Talvez, por isso, a presidenta Dilma Rousseff, em sua primeira aparição pública, propôs um pacto com a sociedade. Nesse caso, soou como “vamos fazer as pazes, vamos nos entender”. Nisso ela acertou, só não se sabe como fazer, em forma e conteúdo. E é preciso que seja apoiada, pois não há país que viva bem depois de acordar de um pesadelo e sentir seu resultante mal-estar.
Carlos Rossini é editor
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