OPINIÃO – EM IBIÚNA, VIVEMOS COMO UM “PÁSSARO NA MUDA”?

Há tempos, fui fazer uma reportagem em uma fábrica de chocolates na região do ABC. Ali ouvi a seguinte história. Durante a Segunda Guerra Mundial, com as dificuldades geradas pelo próprio conflito, sobretudo com a falta de produtos e problemas de ordem econômica geral, as pessoas buscaram na solidariedade uma forma de sobreviver. Era o tempo do açúcar preto, difícil de encontrar. Meu pai chegou caminhar a pé quilômetros para conseguir um pouco desse produto para adoçar a vida de sua família.

Os moradores em uma mesma rua, aí se incluíam parentes ou simplesmente vizinhos, procuravam compartilhar os alimentos entre si, a fim de que todos pudessem comer. Havia aqueles que tinham um determinado produto, mas não outro. Assim, juntavam um pouco de cada um e ora comiam numa casa, ora, na outra.

Nesse período, acredite, a população se transformou, dividiu o pão, como se diz, mas foi muito além disso, ao estabelecer um modo de relações humanitárias, em que uns ajudavam os outros, estabelecendo laços de amor, compreensão, respeito e confiança mútua.

Digo isso ao pensar no município de Ibiúna, o lugar onde vivo e amo, por observar uma situação caótica que se estabeleceu nos anos recentes que já deve ter sido absorvida por larga parcela da população. São tantos os problemas e as queixas e, tão persistentes, que o povo parece dar sinais de uma exaustão pela perda da esperança de que as coisas melhorem.

Em termos comportamentais observáveis muita gente parece ter desistido e se recolhido para evitar um acúmulo ainda maior de aflições. Ainda hoje ouvi de uma mulher inteligente, na rua XV de Novembro, região central da cidade, que ela resolveu manter distância dos fatos políticos e seus reflexos sobre a vida da sociedade, tendo mesmo se desligado do Facebook e das notícias que fazem mal. Não apenas ela, mas muitos cidadãos, tomaram a mesma decisão, a fim de não ficarem doentes da cabeça.

Há, de fato, um climão em que se pode aplicar um ditado bastante conhecido: “Passarinho na muda, não pia!” Encontrei na lógica uma explicação oportuna: por estar na muda (sem penas) e não poder voar, vira alvo fácil do seu predador, por isso não pia, isto é, procura não chamar a atenção para si, ocultar-se, acreditando que assim estará a salvo.

Isso está acontecendo como se fosse uma conduta normal, quando não é. A verdade dos fatos é implacável. Há uma proibição geral para que nenhum servidor público dê informação à imprensa.

Nas três festas partidárias realizadas em Ibiúna, em que se anunciaram pré-candidaturas ao cargo de prefeito nas eleições de 2020, às quais compareci na condição de repórter, observei que há pessoas que gostariam de ir mas temem ser vistas e sofrer algum tipo de represália para si ou para seus parentes.

Outros se infiltram, como “olheiros” discretos, na condição de observadores para relatar os fatos a certos interessados para avaliar do tamanho do prestígio público de cada pré-candidato. Outros tentam saber a posteriori com o mesmo objetivo.

Mas, de modo geral, os personagens envolvidos agem como se fossem pássaros na muda e esse é um fenômeno social que merece nossa atenção.

Só que não somos pássaros e, sim, humanos, e exatamente por agir desse modo, todos perdemos porque seguimos em direção oposta à verdade e é dela que mais precisamos quando vivemos em uma comunidade e ansiamos por mudanças e melhorias em nosso município. Afinal, não precisamos de uma guerra para vivermos em um ambiente de paz. (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *