OPINIÃO – IBIÚNA E AS IMPLICAÇÕES POLÍTICO-SOCIAIS DE DUAS PALAVRAS: “IMPORTUNAÇÃO SEXUAL”

A política é uma ciência moral normativa, isto é, estabelece normas de conduta a serem praticadas visando assegurar a felicidade coletiva e o bem comum, como definiu o filósofo grego Aristóteles [383 a.C. – 222 a.C.], que tanto influenciou a cultura ocidental. Isso tem tudo que ver com a chamada democracia. Mas, na prática, a teoria é outra, infelizmente.

Outro cara, Maquiavel [1469-1527], depois de Aristóteles, há mais de quinhentos anos, fez uma revelação cuja validade permanece até nossos dias:

“A política tem pelo menos duas caras. A que se expõe aos olhos do público e a que transita nos bastidores do poder.”

Ora, o que essa introdução tem que ver com a nossa pacata, bucólica e amada terra preta?

É que na última semana, e a repercussão parece prosseguir pelo menos nas postagens no Facebook, duas palavras se tornaram tema central da primeira sessão da Câmara Municipal de Ibiúna, realizada no dia 1º de fevereiro: “Importunação sexual”.

Resumindo, para não cansar a cabeça do leitor, já tão atribulada com a covid-19 em ascensão: a Delegacia de Polícia local, o Cartório de Registro, o Ministério Público e a Câmara Municipal receberam uma grave denúncia de uma cidadã de trinta e seis anos de um suposto crime de importunação sexual que teria sido praticado por um jovem vereador por meio de troca de mensagens na internet que teria incluído uma fotografia com imagem obscena.

A Câmara Municipal, como se sabe e vitrine online publicou, já fez sua parte: arquivou a denúncia. Em sua publicação oficial destinou a esse fato apenas quatro linhas.

Agora caberá ao Poder Judiciário ibiunense tomar a decisão sobre a existência ou não de crime capitulado no artigo 215 do Código Penal.

Um dos personagens que aguarda pessoalmente pelo desfecho do caso, postou neste sábado (5) outra denúncia de não menor gravidade, baseado em uma gravação que teria sido feita no escritório de um advogado local. Deu nome a uma empresa, ao advogado e põe em suspeita um suposto crime de coação, um trabalho a mais que caberá aos servidores do Poder Judiciário resolver se a eles for remetida a denúncia.

Toda essa salada revela traços de condutas políticas que há muito já deveriam ter sido superadas pelo desenvolvimento cultural da população sobre a classe política, já que, como reza a Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 1º parágrafo único: todo o poder emana do povo, e em seu nome será exercido.  

No fundo de todo esse episódio desconcertante, que borra a imagem dos seus atores políticos já tanto desgastada, uma questão se levantou naturalmente. Ainda que Maquiavel tenha ressalvado que a política independe de outras éticas, não se pode desprezar o fato de a ética ser essencial para a manutenção de sociedades civilizada.

Ética é um conjunto de princípios que definem a moral e a moral é o conjunto de regras que define o que é certo e errado fazer. Sem essas normas, a sociedade se sujeita ao que em sociologia se denomina anomia, ou seja, ausência de lei ou de regra, desvio das leis naturais; anarquia, desorganização. Numa palavra: volta à barbárie.

Na mesma semana, uma palavra também foi repetida em vários cenários ibiunenses por conta do candente tema de que aqui se trata: politicagem. Ele tem vários termos com semelhante significado: politicalho, politicaria, politiquices, politiquismo. Sintetizando isso quer dizer “ política de interesses pessoais, favores, de troca de favores ou realizações insignificantes”.

Politicagem é uma palavra de conotação pejorativa, pois revela fatos negativos, insultosos, afrontosos, aviltantes.

As pessoas ouvidas por este escriba podem ser divididas em dois grupos: um considerou um viés político por trás desse episódio; outro, uma questão de natureza criminal. Não há como negar que o tema guarda mais complexidade do que aparenta, considerando o que não vem a público e ocorre no plano dos bastidores. A propósito, haveria uma terceira perspectiva discreta, porém real, daqueles que se divertem e riem da constrangedora situação que tira momentaneamente o foco de atenção dos problemas reais do município.

Em suma, nesta altura, cabe perguntar: a quem interessa essa situação que traz danos e desconfortos morais às pessoas de bem e seus familiares que aqui vivem e que sonham sempre com dias melhores em uma cidade que tem tudo para abrigar uma coletividade feliz, como apregoou Aristóteles há mais de dois mil anos, e que tem imensos problemas agudos e crônicos a resolver nos campos da saúde, das estradas, da segurança e do transporte público e do próprio turismo, já que o município se denomina estância turística? (Carlos Rossini é editor de vitrine online)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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