O SENTIMENTO DO VAZIO

O novo normal, independentemente da pandemia, e como se esta não existisse, se vê nos novos meios de comunicação, como o podecast, por meio de sinais de um fim do tempo ou da história conhecida até aqui.

Um cara pede desculpa de estar bêbado, durante uma entrevista com dois deputados, depois de fazer apologia do nazismo que cobriu a história do mundo com uma terrível morte de milhões de inocentes, em decorrência da loucura de um megalomaníaco que teria acabado seus dias com a ingestão de uma cápsula de veneno.

Em proporção similar, assistimos, a cada novo dia, atônitos, salvo honrosas exceções, o surgimento de uma espécie de loucura coletiva talvez por causa da corrosão de valores que, bem ou mal, segura parte da barra de viver.

Parece que o dia seguinte não mais vai existir porque se desvanece a estrada do futuro a cada passo que damos em direção ao precipício que ainda não enxergamos, embora pareça estar exatamente diante de nós.

Na prática, o dinheiro e os bens materiais se tornaram mais importantes do que Deus e, infelizmente, da própria família, que se vê despojada de valores de sustentação com bases em relacionamentos transparentes, honestos e saudáveis.

Mentimos cada vez mais para nós mesmos, para os nossos corpos e nossas mentes e nos sentimos extraviados pela decadência que o implacável relógio do tempo nos impõe impiedosamente.

Destruímos de modo acelerado a natureza com os lixos que produzimos de modo insensato e irresponsável, apesar dos repetidos avisos da ciência de que nosso lar comum está sendo destruído num caminho aparentemente sem volta.

Não somos leais a nós próprios porque perdemos o sentido do viver que não seja apenas aquele voltado para coisas materiais que nos dá falsa sensação de segurança, que se nega pelas doenças que nos acometem a todos como seres coletivos e individuais.

Perdemos sentido da jornada heroica, assim como do orgulho de nos sentirmos íntegros, que se dissolve como a areia da praia tocada pela água do mar e nos perdemos no calendário gregoriano. Já não se pode tanto honrar a palavra dada porque a hipocrisia contamina as relações dentro e fora do ambiente familiar.

Os crimes contra pessoa que se cometem como rotina diária somados registram baixas como se a sociedade civil tivesse submetida a uma guerra tão estúpida quanto ignóbil. Nos sentimos ameaçados cada vez que um negro congolês é abatido impiedosamente a pauladas porque buscava receber seu direito trabalhista em um quiosque na beira da praia do Rio de Janeiro e nem sequer ouvimos o sino bater por causa dessa morte impiedosa. Mas existem muitas outras fora do alcance de uma câmera.

E o vírus se alastra e o Brasil bate novos recordes de mortes diárias e se coloca entre os três países no ranking mundial da pandemia, incluindo crianças e sobretudo não vacinados, seja pela impotência e negacionismo do governante mor e de seus asseclas ou pela imprudência ou ignorância dos indispensáveis autocuidados orientados pela ciência.

E ainda riem exibindo latas de cervejas como troféus da necessidade da embriaguez, porque despertar pode ser uma dor insuportável e há quem prefira drogas mais pesadas, que provocam euforia, sono e torpor, já que não conseguimos nos livrar de nossos torturantes e incontroláveis pensamentos.

Dormir se torna um desafio, como se o sono fosse uma ameaça à nossa própria existência. O medo se funde com uma realidade da qual não podemos nos esquecer e ainda temos que conviver em vigília, mas não necessariamente despertos, com os outros que já foram considerados o inferno, quando nós próprios o vivemos dentro de nós.

Ultrapassamos a idade da razão e não raro nos mantemos infantis porque não sabemos o caminho do amadurecimento. Não conseguimos alcançar a autonomia tão necessária para existir no mundo e agir com a coragem de sermos livres. Apontamos os outros com o dedo indicador quando temos outros três dedos apontados para nós mesmos.

Temos que admitir que somos animais irracionais, a despeito de nossa pretensão de sonhar com a sublimidade atingida em maior proporção pelo magistral prodígio com a qual a natureza brinda algumas crianças, jovens e adultos, que encontram o caminho da autorrealizaçao na arte e nos encantam com seus talentos excepcionais na música, na dança, na escrita, na pintura, na poesia.

Há filósofos do pessimismo pela forma como interpretaram a essência da natureza humana e consideraram o absurdo como parte da nossa vida e aqueles que se tornaram profissionais palestrantes e oradores que enchem salas do mundo de pessoas que buscam um sentido para a suas existências, o que inclui figuras biliardárias, que sabendo da própria finitude, buscam algum conforto, sempre provisório, diante do sentimento do vazio interior. (Carlos Rossini é editor de vitrine online e mora em Ibiúna)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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