FATO HISTÓRICO – O IMPIEDOSO SOFRIMENTO DO POVO NA RUA GUARANI

No dia 20 de novembro de 2021, um sábado, as paredes da antiga Estação Rodoviária de Ibiúna começaram a ser demolidas. Assim tinha início a sua reforma, oficialmente denominada de “revitalização”.

No dia 22, segunda-feira, os usuários do transporte público de Ibiúna já deveriam tomar os ônibus na Rua Guarani, distante cerca de duzentos metros da rodoviária.

A situação reinante no local era caótica. A sinalização para orientar os locais dos pontos relativos aos bairros era precaríssima. Haviam colado algumas folhas de papel sulfite numerados nas paredes [Ponto 1, Ponto 2, Ponto 3…] e em alguns postes fixados na estreita calçada. A falta de planejamento e de informações deixaram as pessoas atônitas, confusas, se sentindo perdidas na rua.

LOCAL INADEQUADO

Não demorou para que se percebesse que o local escolhido pelas autoridades municipais para transferir os pontos de ônibus que ficavam na rodoviária era claramente inadequado. Uma análise a distância deixa claro que somente pensaram em solução mecânica, tipo pega daqui e leva para lá, esquecendo que estavam tratando de vidas humanas com a diversidade natural de necessidades.

Logo se percebeu que o local escolhido para se tornar a rodoviária improvisada era inadequado

Para resumir essa opereta de mau gosto, a população ibiunense que necessita de transporte público ainda não sabia que estaria jogada à própria sorte numa calçada estreita, numa rua suja que acabou afundando com o peso dos ônibus, debaixo de sol, chuva, frio. Um homem foi a óbito enquanto esperava ônibus ali e várias mulheres, muitas das quais com cabelos brancos, tiveram que ser resgatadas pelo Samu e levadas para o pronto socorro da cidade por sofrerem desmaio ou passarem mal.

Como as autoridades resolveram inaugurar a rodoviária, sem que estivesse concluída, no domingo, dia 24 de março de 2024, quando Ibiúna comemorou seu 167º aniversário, a população ibiunense pagou, como descrito acima, um alto, impiedoso e desumano custo durante exatos 2 anos, 3 meses e 24 dias, período em que a reforma perdurou. Nesse período houve diversas paralisações, suspensão de recursos federais. O longo atraso gerou má fama à administrativa da cidade e se tornou objeto de escárnio por parte da população. Chegou até a ser chamada de “catedral” pela fama do longo tempo que têm esses templos para serem construídos, sobretudo na Idade Média.

Os primeiros buracos começam a surgir abertos pelo peso dos ônibus; na parede a indicação precária: Ponto 1

Os principais protagonistas desses fatos são o atual prefeito, Paulo Sasaki, e o secretário de Desenvolvimento Urbano, ex-prefeito Fábio Bello de Oliveira, uma vez que tanto a rodoviária quanto o transporte público estão vinculados a sua pasta.

“PEQUENO ATRASO”

Em uma entrevista ao SBT no dia 18 de março de 2024, Sasaki chegou a declarar que “houve um pequeno atraso [na reforma] da Rodoviária de Ibiúna” e que “jamais deixei parar essa obra que continuamos com recursos próprios.”

Deve ter faltado assessoria ao chefe do Executivo em relação aos fatos reais, ou ele se empolgou em demasia com a câmera diante dos seus olhos. A população ibiunense o tempo todo se queixou exatamente do grande atraso na conclusão da reforma e também das diversas paralisações que houve e que foram noticiadas amplamente por vitrine online, a publicação que mais cobertura fez desse assunto, exatamente tendo como referência principal o sofrimento do povo largado na Rua Guarani em condições desumanas.

Entre os usuários se observou em mais de 2 anos um grande número de idosos que dependem dos ônibus; alguns passaram mal durante longas esperas pelos ônibus

No dia 20 de novembro de 2021, um sábado como dissemos acima, o repórter de vitrine online esperou pelo secretário de Obras da Prefeitura, Kelvin Christian Rodrigues Alves, a fim de fazer uma entrevista no local onde as paredes começavam a ser demolidas e prestar esclarecimentos e orientações aos cidadãos. Ele não compareceu para a entrevista, alegando algum impedimento qualquer que se apagou da memória do repórter.

Ao longo desse período, vitrine online, por meio da Assessoria de Imprensa da Prefeitura, solicitou reiteradamente informações e/ou entrevistas com as autoridades municipais, sem nunca ter tido retorno. A propósito, o prefeito, durante todo esse tempo, não foi uma única vez na Rua Guarani, exceto numa ocasião em que esteve apenas no interior do antigo Mercado Municipal que acabou recebendo as lojas que vinham funcionando na antiga rodoviária.

NOTÍCIAS REVELAM O DRAMA VIVIDO

Vitrine online, para refrescar a memória, levantou os títulos de notícias que publicou no período tratado nesta matéria, sem contar com diversos vídeos feitos na rua por meio dos quais as pessoas puderam manifestar suas queixas às autoridades; afinal, esse é o papel da imprensa.

No trecho de parada de ônibus o asfalto afundou e a Sabesp teve que fazer o conserto: mais sofrimento para o povo
Algumas imagens flagradas na Rua Guarani foram comoventes

RUA AFUNDOU – No dia 3.12.2021 – vitrine online estampava o seguinte título: “Sabesp conclui tapa-buraco no asfalto que afundou na Rua Guarani”. Isto aconteceu poucos dias depois de os pontos de ônibus terem sido transferidos para a rua. A Prefeitura nada fez para corrigir o problema alegando que a responsabilidade era da Sabesp. Demorou algum tempo até que essa empresa admitisse o fato e iniciasse o reparo. Vitrine online foi informada que a Sabesp havia feito um serviço naquela rua e que não previa que anos depois ela iria receber pontos de ônibus. Resumindo: o asfalto afundou devido ao peso dos ônibus.

PRESENÇA DA “NASA” – O sério afundamento de um longo trecho rente à calçada onde as pessoas esperavam os ônibus acabou sendo motivo de zombaria. Um leitor da revista publicou uma foto e inseriu um astronauta que estaria examinado a qualidade do asfalto. O título da matéria publicada na edição de 25.11.2021: “Nasa” vem estudar asfalto da Rua Guarani.

A alguns leitores o bom humor esteve presente, mas sintomático da séria situação no local

À PRÓPRIA SORTE – No dia 7.12.21, nova notícia: “Usuários de ônibus estão por conta da própria sorte na Rua Guarani”. Esse título ratificava a distância inacessível das autoridades em relação às reclamações populares.

PEDIDO DE PROTEÇÃO – Uma senhora ouvida pela vitrine online fez um veemente pedido para que as autoridades municipais estudassem medidas de proteção aos usuários de ônibus. O título publicado no dia 30.11.2022: “Idosa pede e Prefeitura informa que estuda medidas de proteção aos usuários”. Seu apelo não foi atendido.

POVO HEROICO – No dia 27.11.2021: “A Rua Guarani e o heróico povo ibiunense”. Refletia a aventura diária enfrentada pelos cidadãos e cidadãs de todas as idades na Rua Guarani.

OUVIDOS MOUCOS – Título sintomático publicado no dia 12.2.2022: “Executivo ibiunense ignora reclamos da população.”

SITUAÇÃO DEPLORÁVEL – Dia 21.2.2022: “Situação da Rua Guarani é deplorável; povo sofre”.

DESCASO – “Rua Guarani é o símbolo do descaso com o povo”. Este foi o título de matéria publicada no dia 22.2.2022, referindo-se à indiferença demonstrada pelas autoridades municipais diante do sofrimento do povo.

DEFICIENTE VISUAL CAI EM BURACO – Título da notícia de 17.1.2024: “Buraco onde caiu um deficiente visual é tapado”. Um homem vem com sua bengala pela calçada da Rua Guarani. De repente, cai num buraco. Ele se queixa de dor na perna e reclama da dificuldade de andar nas calçadas da cidade. O reparo não foi feito pela Prefeitura e sim pela proprietária de um comércio no local.

O repórter da vitrine online estava filmando o local quando, de repente, um deficiente visual caiu num buraco. Se queixou de dor na perna esquerda e reclamou que as calçadas de Ibiúna são armadilhas para os deficientes visuais e cadeirantes

FALTA DE ÔNIBUS – Como o sofrimento ali verificado parece insuficiente, o povo continua sofrendo com os horários inadequados e número insatisfatório de ônibus em circulação, sobretudo durante o período escolar. No dia 9.1.2024, o título foi: “Falta de transporte público leva população ao desespero.” Quem foi ouvir os passageiros na Rua Guarani pôde ver de perto o tormento pelo qual passavam tanto para vir para o trabalho quanto para voltar para suas casas, muitas vezes em bairros distantes, passando por estradas esburacadas, ônibus cheios de pó e com danos visíveis em seus interiores.

Não só o local se mostrou extremamente inadequado como a espera por um ônibus foi considerado uma “tortura mental” por alguns passageiros

“AGORA SERÃO COMPENSADOS”

O repórter, pelo motivo já exposto, acompanhou o processo desordenado e demorado da reforma da rodoviária, ouviu a poucos dias da sua inauguração o seguinte comentário de um homem que trabalhava no local:

“É, mas agora as pessoas serão compensadas com uma rodoviária nova.”

É certo que essa observação faz parte do comportamento humano. As pessoas supostamente precisam sentir o alívio como anteparo contra sofrimento passado, como foi esse o caso, e os políticos astutos sabem muito bem explorar essa característica do ser humano de “precisar esquecer” as coisas ruins.

Sentar na guia da calçada foi uma alternativa para longas esperas por um ônibus; a queixa pelo mau serviço da empresa de transporte é generalizada pelos usuários

Mas é preciso manter uma memória crítica do mau tempo exatamente para se conscientizar e se precaver contra atos similares das autoridades que possam causar danos futuros. Uma atenção autônoma permite perceber a qualidade dos administradores públicos que temos em nossa cidade.

GUARDAR NA MEMÓRIA

É importante, apesar dos tormentos vividos, os cidadãos se lembrarem como foram tratados pelas autoridades – de que forma suas vidas e dos seus familiares, incluindo crianças de colo, filhos adolescentes, idosos e idosas, pessoas com enfermidades e dificuldades de locomoção, gente que teve de sentar-se em degraus de lojas ou mesmo na sargeta, enquanto esperava um ônibus, e precisava se proteger do sol forte, da chuva, do frio, do vento, das enxurradas que alagaram a rua.

Houve chuvas moderadas, mas outras que provocaram fortes correntezas e inundaram a rua: as pessoas se refugiaram nas lojas existentes ao longo da estreita calçada

Assim poderão avaliar claramente se deveriam ser tratados durante tanto tempo com tanto e persistente desrespeito.

ANO ELEITORAL

Em outro momento, poderemos tratar de todo o processo de licitação, contratação, inclusão de aditivos [aumentando o preço da construção], do cancelamento de recursos destinados pelo governo federal para a chamada revitalização da rodoviária, da decisão do Tribunal de Contas do Estado que apontou irregularidades e obrigou a Prefeitura a cancelar seu contrato com a primeira empresa construtora [MCJ Ferraro Empreendimentos Ltda, com sede na Av. João Pastina, 303, no município de Conchas] e a contratar outra [Winter Construtora, com sede em Alphaville] para concluir o serviço a toque de caixa, como ocorreu.

E deu no que deu: a rodoviária foi “inaugurada” sem ter sido concluída.

O custo final da obra atingiu R$ 7 milhões, segundo apuramos.

Essa imagem dispensa legenda. Fala por si, sintetiza uma realidade desumana

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.

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