A MENTIRA PERMEIA NOSSAS RELAÇÕES SOCIAIS, NÃO É VERDADE?

Robert Feldman, da Universidade de Massachusets, nos EUA, realizou estudo e concluiu que o ser humano “conta três mentiras a cada dez minutos”. Mesmo que não concordemos com esse dado, na verdade as pessoas mentem mais do que podem imaginar e a quantidade, de fato, ao longo de um dia, não é pequena. Mentimos para os outros e para nós mesmos e nem percebemos. Mentimos para nos livrar de problemas agudos ou ao longo do tempo, para levar vantagem, para enganar, para sobreviver a ameaças, para não conflitar com alguém que pensa diferente de nós, para manter um relacionamento ou para acabar com ele… a lista de motivos para mentir é interminável.

A mentira é resultado e produto do nosso pensamento diante da vida A palavra em si tem raiz indo-europeia men(s) que significa mente. Isto é: a mentira não tem existência real, é uma ficção, ilusão, algo que está oculto e, portanto, não pode ser vista ou tocada. E esse é o segredo que a mantém vigorando universalmente sem perder o vigor e vibração na teia das relações sociais. Dito de outra forma: a mentira, em sua estrutura construtiva, não tem corpo verificável pelos sentidos.

Verifique, por exemplo, na novela Império, toda a trama se desenvolve numa rede de mentiras e intrigas ditas a todo o momento, alimentadas pelas desconfianças mútuas dos personagens que, invariavelmente, agem em busca de poder, riqueza, sexo. E essas três dimensões sobrevivem graças exatamente à existência das mentiras. Mente-se despudorada e hipocritamente. Bem, os próprios cenários são casas, salas, cozinhas de fachada, mas há exceção em tomadas de cenários reais.

Em outro cenário, que nos desconforta muito, o mundo da política, a mentira é o que se habituou chamar de “moeda de troca” para sobrevivência, conquista e manutenção do poder. Quem fala a verdade comete aquilo que um escritor brasileiro chamou de “sincericídio” (morte por ser sincero) e que denominamos de “vericídio” (a morte por ser verdadeiro). Nos debates entre os candidatos à Presidência da República a mentira deitou e rolou, num vale-tudo que tinha (e tem) por trás dois agrupamentos arqui-inimigos políticos, que reuniram todo estoque de veneno para liquidar uns aos outros. Mentir é instrumento de trabalho de político, infelizmente, mas é bom ressalvar que alguns políticos conseguem conviver com a verdade e fazer dela o norte de sua conduta.

É hora de perguntar: e sobre a verdade? Seu elemento-raiz é ver, do latim verus, e significa o oposto da mentira. Verdade significa ver, é uma propriedade do ser humano de estar de acordo com a realidade tangível, verificável. Verdade é o que se pode ver e que, portanto, pode ser objeto de comprovação exatamente por ser visível, tangível. René Descartes, filósofo francês, criou o método da dúvida exatamente com o objetivo de se chegar à verdade, por meio de procedimentos e indagações lógico-científicas. A mentira é a mãe da dúvida e a verdade a mãe da certeza. Mas é preciso ir mais longe no estudo para se aprofundar nesse campo vasto e complexo do conhecimento sobre os enigmas humanos.

De um modo ou de outro, no entanto, é bom recordar o que disse o poeta russo Joseph Brodsky, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1987: “A verdade termina onde começam as mentiras”. E nós dizemos, aproveitando sua deixa: “As mentiras terminam quando começa a verdade”.

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Carlos Rossini é

editor de vitrine online

 

 

 

 

 

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.