SER POBRE DE DINHEIRO É RUIM; SER POBRE DE PALAVRAS EMPOBRECE SUA VIDA

Postei mensagem no Facebook oferecendo uma palestra cujo título é carregado de ousadia: “Aprenda a falar em uma lição.” Imaginei que iria receber uma quantidade absurda de telefonemas, tantos seriam os interessados. Mas o quê! Até agora nada! Nem um para o remédio, como se dizia antigamente. Só recebi algumas curtições, sem nenhum comentário. Onde foi que errei? A resposta veio numa dessas noites em que o sono demora a chegar: “É lógico, tentei vender gelo para esquimó!”

Pois é, convenci-me de que ninguém precisa aprender a falar, pois todos acham que já sabem, naturalmente. Bem que devia ter reparado: todas as pessoas quando falam de chuva apontam para o céu; quando estão tristes, falam baixinho; quando estão bravas, gritam e fazem cara feia; quando se sentem felizes, abrem risos generosos e usam palavras harmoniosas com esse sentimento; quando calmas, se parecem com anjos de extrema delicadeza.

Percebi que todas parecem ter feito um curso de teatro porque sintonizam perfeitamente movimentos, gestos, de acordo com as tonalidades e o assunto em andamento. Todas se expressam de modo claro, preciso, lógico, o bjetivo, não importa o assunto e para quem estejam se expressando. Percebi também que demonstram grande autoconfiança e segurança pelo farto conhecimento de um número imenso de palavras. E mais: que conseguem organizar os pensamentos de maneira impecável.

“Esquece, professor, ninguém está precisando do seu trabalho. Todos já sabem falar e muito bem, fique o senhor sabendo. Por que se a gente não subesse, esse mundo seria um caus. Imagine só os político e essa democracia [querendo dizer burocracia] que enche a casa da gente de papelada.”

Foi aí que me dei conta do mascate que aparece de tempos em tempos na praça com sua mochila nas costas, um microfone embutido na cabeça, um saco com uma cobra, outra de pau, que se projeta de uma caixa, com o deslizar de uma alavanca. Já conhecido. Basta se instalar, distribuir uns sacos, seus apetrechos, e fazer insistentes círculos de água, que delimita o palco de apresentação.

“Esse sabe falar – pensei –, pois consegue dizer as palavras e usar que mexem com as pessoas. Conta histórias, brinca e se comporta como mágico, que é, na realidade, pois faz diversos truques e provoca risos. Dá saltos e faz demonstrações de vender saúde, aos sessenta anos. Tudo é muito sincronizado, lógico, com imagens psicológicas de fácil entendimento popular. Percebi que reproduz uma peça já repetida muitas vezes, com resultados infalíveis: sempre vende dezenas de latinhas com uma pomada “feita pelos índios com gordura de cabra e arnica”, capaz de fazer milagres contra dores, e amuletos, que traz da Bahia. Confesso que comprei uma latinha e a procurei hoje por estar sentindo dor no joelho. Então, até eu caí na lábia do mascate, por não dominar a curiosidade de que se tratava. E usei, para ser sincero.”

Mas voltemos ao assunto que motivou esse artigo: é preciso, sim, aprender a falar. Como professor universitário por mais de 25 anos, percebi que uma das mais evidentes restrições comportamentais das pessoas reside na pouquíssima intimidade com as palavras e, por isso, têm sérias dificuldades de relacionamentos familiares, na escola, no trabalho, na vida social.

As palavras são a principal ferramenta da comunicação humana e são elas que nos permitem qualificar nosso relacionamento com os outros. A maioria de nós sofre por desconhecer esse fato. Nossos pensamentos são construídos por palavras, sem elas nos tornamos muito pobres, tímidos e retraídos em nossos contatos. Na verdade, as pessoas somente podem viver em sociedade e interagir com ela por meio da linguagem. Ser pobre de dinheiro é ruim; ser pobre de palavras empobrece nossa vida.

__________

Carlos Rossini é

editor de vitrine online

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.