CARLOS ROSSINI ESCREVE: NOSSO AMOR DE ONTEM
De toda a história se conhece o começo, mas não o fim, que sempre está fora de alcance de nossa visão, no rio das incertezas do futuro. Sabe-se como começa um amor ou uma paixão. Um inesperado contato visual, a descoberta de um ser “diferente” ante nossos olhos. Ela ou ele. Uma chama se inflama da cabeça sob fortes impulsos do coração descontrolado como um cavalo selvagem. Nome desse fenômeno: atração física e emocional. Assim, tem início uma relação entre um homem e uma mulher.
Do flerte inicial, as primeiras palavras tentativas e contatos físicos experimentais, a abertura das comportas da fisiologia químico-hormonal. O desejo recíproco. As carícias, os toques suaves como pétalas de rosas, os arrepios e umidificações glandulares, a inundação mental de sentimentos e sensações tão espontâneos quanto contínuos.
Os sonhos noturnos vistos pelas frestas da fonte dos desejos. No fundo, os arquétipos do príncipe e da princesa se realizam no ritual do casamento, seguido da coabitação, do compartilhamento da cama e do banheiro e das intimidades todas.
Um belo e inesperado dia uma pequena gota de orvalho resiste em mergulhar no seio da terra. O estranhamento de um gesto, de uma palavra, de uma atitude. Epa! O cupido está longe em viagem e surdo às nossas chamadas. Mas, parece ser assim, um pequeno fato adverso aqui e ali começa desconstruir o que o amor demorou a erigir entre dois seres.
Um começa a ver o outro de modo diferente, abrindo sem ter consciência um ralo por onde vão saindo os bons sentimentos de carinho e amor e, assim, a alma vai se esvaziando e cedendo lugar para pequenas mágoas que tendem, a partir de um determinado momento, a ser mutuamente produzidas. E esse grande amor de ontem, feito da pureza das mais singelas emoções, vai ruindo como um castelo feito de areia. As formas originais vão se decompondo como uma pintura exposta ao tempo sem a devida proteção.
A desrazão entra em cena para iniciar um novo tempo, mas os corações de ambos já não batem na mesma frequência. A beleza do amor fica mutilada como as estátuas dos jardins gregos. O fim está se desenhando: magoas, tristeza, raiva, ódio, desprezo, nojo. O presente fica irrespirável e pode haver agressões, algumas terríveis e fatais. Ambos foram levados como rolhas soltas no oceano, enquanto a sociedade segue seu ritmo com muitas outras histórias infelizes como essa. O que ontem foi amor e hoje é asco abre as cortinas para um amanhã dramático ou trágico. Infelizmente, dizem os filósofos céticos, a vida é mesmo um absurdo e os homens fazem as coisas sem saber o que estão fazendo.
Então, ao subir no alto de uma montanha para vislumbrar o vale humano deve surgir mesmo um sentimento de compaixão pelos seres humanos que não aprendem a amar e serem livres ao mesmo tempo. O que se seguem normalmente são atos que lembram a grande variedade de loucuras que se fazem quando o amor ou a paixão é levada pelo vento para um lugar que se oculta na memória de um tempo perdido de um e de outro. No fundo, todos são culpados e inocentes no cenário do universo humano.