O QUE OS POBRES GOSTARIAM DE SABER, MAS NINGUÉM DIZ

pobrezaLia Maria Aguiar, 77, uma das três filhas adotivas do fundador do Bradesco, Amador Aguiar, e herdeira de R$ 4,5 bilhões, anunciou na última quinta-feira (3) que toda a sua fortuna será doada a uma fundação beneficente que leva o seu nome e cuja sede fica na cidade de Campos do Jordão, após sua morte.

Antes de prosseguir uma pergunta: o que uma pessoa pode fazer com uma quantia tão vultosa de dinheiro sendo simplesmente humana e temporalmente finita?

Nos Estados Unidos, além de personalidades famosas, como Bill Gates e atores de primeira proa que fazem doações notáveis em ações humanitárias, como Lia pretende fazer, diversos bilionários ou milionários [em dólares] têm, cada vez mais, aberto mão de pelo menos parte de suas fortunas e dando a elas o mesmo destino: ajudar alguma instituição benemerente, ou seja pessoas que precisam.

É sabido que o absurdo de riqueza do mundo acumulada e simbolizada por bens tangíveis, em espécie, em imensas propriedades, em ações, etc., se concentra na mão de poucos, que parecem – segundo reza a ética protestante – terem com ela a chave de entrada para o céu. Pobres, nessa mesma linha de raciocínio ideológico, nada merecem porque…são pobres, preguiçosos, não agraciados pela graça divina ou bafejados pela sorte. E, mais, acreditem: dizem que a pobreza é pecado e o pobre, pecador. Pura ideologia! [Sistema de ideias sustentado por um grupo social para dominar outro.] Sabemos que isso não corresponde à verdade e se deve a um perverso sistema econômico estabelecido, modernamente, com a Revolução Industrial e o advento do sistema capitalista, em que cada um tira a vantagem individualista como pode e quer, sob a santa proteção do estado.

Para seguir adiante é preciso, então, pensar sobre o que vem a ser a verdade. E precisamos estabelecer um padrão mínimo de referência para sustentar o que se segue: verdade é tudo o que é real, ainda que tanto uma quanto o outro possam estar recobertos por uma grossa camada ideologicamente construída e que constitui uma espécie de vidro embaçado e provoca miopia.

Desde o início da industrialização na Europa o trabalhador arrancado do campo e levado à cidade, começou a comer o pão que o demo amassou e isso continua de forma abrandada porque seria impossível levar adiante o crescimento econômico simplesmente liquidando a maioria da população mundial [que vem sendo massacrada – veja a fuga de centenas de milhares do norte da África que estão morrendo afogados no Mediterrâneo e vivendo como objetos em países europeus].

O grande crime que as elites econômicas e intelectuais engajadas com a economia do livre mercado, com o monetarismo frio, cometem é sonegar a mínima possibilidade de a população pobre saber a verdade de sua situação, como uma forma de impiedosa injustiça, movida a truculência quando a perturbação da ordem assim o exigir.

Primeiro, pobreza não é doença [embora cause muitas] e muito menos uma condição de inferioridade fisiológica, racial, ou intelectual. Sem oportunidade de obter conhecimento sistematicamente a ponto de identificar sua própria e triste sina, padece daquilo que foi magistralmente descrito por José Saramago, no Ensaio sobre a cegueira.  O sistema de ensino oficial reflete essa condição: é voltado para formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho, mas despojado de um lastro cultural imprescindível para se realizar como pessoa existente deste lado misterioso da vida.

É tão enraizada essa situação de controle ideológico sobre as pessoas, que estas, potencialmente poderão reagir mal diante daqueles que manifestem o desejo de lhes despertar para perceberem o cenário real em que vivem. Na história não muito distante do Brasil atual, quem tentasse fazer isso era considerado “inimigo do país” por toda uma coorte conservadora e radical.

Tirar a pobreza da cabeça das pessoas talvez seja o desafio número 1 que o Brasil deve enfrentar doravante, se quiser encontrar o caminho do verdadeiro progresso e da estabilidade política e social, porque a prosseguir a acintosa miserabilidade desproporcional pelo tamanho da concentração de renda, só continuaremos tendo mais motivos para o aumento da violência [já insuportável], em todas as suas modalidades. E mais medo que engessa a capacidade de pensar e de sentir com liberdade.

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Carlos Rossini é jornalista e editor de vitrine online

 

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.