ENSAIO BRASIL – ENFIM, GRAÇAS À ETIMOLOGIA, DECIFRAMOS O ENIGMA DOS POLÍTICOS

BUMERANGUE

Na antiga Grécia, de onde se origina grande parte da cultura ocidental que rege nossas vidas, os atores eram chamados de hipócritas. Mas essa palavra tinha um sentido apropriado à arte da representação. A junção de duas palavras hipos [abaixo de ou sob] e outra de raiz indo-europeia krei [separação] deu origem a um verbo grego hypokrieshai [fingir]. Então era isso que os atores faziam quando representavam: fingiam ser o que não eram.

Há outra palavra teatral personae, no Latim, significando por meio do som, que vem a originar personagem, o papel representado pelos atores. Isto porque eles usavam uma máscara que escondia seus rostos e assim faziam suas interpretações dos mais variados papeis em dramas, tragédias e comédias.

Na atualidade, hipócrita é a designação dada a pessoas que se notabilizam por um comportamento fingido, falso e dissimulado. E nesse sentido, as pessoas podem, num momento ou outro, agirem de maneira hipócrita, ou seja, agir como os atores, tornando-se, assim, personagens e desempenhando diversos papeis, que podem mudar a cada instante, dependendo das circunstâncias e de suas necessidades.

Como a busca e a manutenção do poder é o eixo em torno do qual os políticos agem no mundo, fica claro, como na luz do sol, que o fingimento é sua ferramenta de trabalho de uso constante, que se expressa através de palavras, risos, apertos de mãos abraços, etc. Daí a ideia socialmente generalizada que político é, antes de tudo, mentiroso.  A hipocrisia política é, na realidade, uma arma de defesa contra os adversários, que não podem saber os segredos, coisas acertadas, projetos, intenções e uma forma de defender e manter o poder.

A questão que pede para se apresentar neste momento é: mas todos os políticos são hipócritas? Haveria casos em que a hipocrisia seria indispensável para que uma boa ação ou projeto político não fosse queimado por grupos rivais inescrupulosos e aéticos? Traduzindo: será que é preciso mentir em determinado momento, a fim de neutralizar as ações dos outros personagens potencialmente nefastas, porque os fins justificariam os meios, como escreveu Nicolau Maquiavel, ao mostrar para o príncipe como era a política real e objetiva, e não o que se pretendia que ela fosse, na esteira do romantismo, que é uma forma de se opor a algo que se estabeleceu, mas que deve ser mudado?

Será preciso ver o escândalo [Lava-jato, por exemplo] fenômeno que ocorre quando uma mentira é revelada, como um castelo inconsistente que se esboroa dia a dia a olhos vistos nas janelas da imprensa?

Por isso mesmo, o Brasil vive uma situação patética em torno dos protagonistas ocupantes do Executivo e do Legislativo federais, com intensas implicações no Poder Judiciário. E isso não é uma peça teatral artística, que os gregos inventaram para produzir catarse [libertação] da plateia, mas uma imposição cruel contra o povo brasileiro.

A população está pagando um preço insuportável, seja por incompetência, seja por corrupção revelada, de uma economia perversa, que se volta principalmente contra as camadas mais frágeis, a grande maioria das pessoas, quando está fora de controle – como está.

É curioso notar a mudança de comportamento dos personagens reais, quando sentem que estão perdendo o poder, como seus rostos ficam transtornados, como esbravejam em cenas para demonstrar força imperativa e até mesmo como um ou outro acabam se tornando ou manifestando onipotência, como se fossem deuses – e sabemos que não o são. E daí o desespero de que são tomados e o declínio de sua humanidade provocada por uma ganância modelada pelo capitalismo em sua forma materialista mais viral.

Será que estava certo aquele professor, em uma aula num curso de marketing já longínqua na memória, sobre a psicologia do consumidor, quando afirmou para seus alunos?: “Não importa saber se o mundo é bom ou mau, o importante é tirar o melhor proveito dele.” Uma declaração à que reagi na hora como uma postura predatória.

Tirar proveito do mundo, sem ética e moral, sem respeito pelos outros e pela natureza, é realmente uma perspectiva cujos reflexos se encontram por toda a parte, pois parece que aceitamos a ideia de que o mundo que fingimos é real, quando não é, nem para nós e tampouco para os nossos descendentes.

O mundo está sendo destruído pelos homens, embora não consigam ver essa verdade no dia a dia, hipnotizados que estão com a embriaguez do poder, da riqueza e da ganância. Uma hora o bumerangue volta e os aborígenes sabem muito bem disso. (Carlos Rossini)

Carlos Rossini

Carlos Rossini é jornalista, sociólogo, escritor e professor universitário, tendo sido professor de jornalismo por vinte anos. Trabalhou em veículos de comunicação nas funções de repórter, redator, editor, articulista e colaborador, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário Popular, entre outros. Ao transferir a revista vitrine, versão imprensa, de São Paulo para Ibiúna há alguns anos, iniciou uma nova experiência profissional, dedicando-se ao jornalismo regional, depois de cumprir uma trajetória bem-sucedida na grande imprensa brasileira. Seu primeiro livro A Coragem de Comunicar foi lançado na Bienal do Livro em São Paulo no ano 2000, pela editora Madras.